Liquidação dos julgados em sede judicial e o espaço para novos conflitos sobre os critérios de prova.
Dentre as hipóteses vedadas para a oferta de transação no contencioso encontram-se as previstas no art. 20, II da Lei 13.988/2020, uma delas verificável quando a “jurisprudência for em sentido integralmente desfavorável à Fazenda Nacional”.
A despeito disso, antevendo conflitos derivados da solução antecedente, o legislador tornou ofertável transação relativa a controvérsias no âmbito da liquidação de sentença.[2]
Essa excepcional permissão, em cenário como o atual, tem nítida repercutibilidade para o tema da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, sobretudo para aqueles que, transitada em julgado a respectiva sentença, iniciaram a respectiva execução, mesmo pendente decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de qual critério deverá ser observado quando do cálculo do montante a ser abatido.
Pois é justamente para esse tema que o presente artigo mira, apresentando-o como possível conteúdo de edital de transação no contencioso de relevante e disseminada controvérsia, em continuidade a série de textos desenvolvida pelo Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito/SP.[3]
Como sabido, inúmeros contribuintes obtiveram decisões assegurando-lhes o direito à exclusão do ICMS do cálculo das contribuições antes mencionadas. Os entraves para a apuração dos valores a restituir (seja via precatório ou por compensação) surgem com o levantamento dos documentos de suporte para a realização da conta. Se a opção do contribuinte for a compensação, por exemplo, eventual fragilidade documental demonstrativa do crédito poderá implicar a glosa dos valores compensados com aplicação de multa isolada de 50% (§ 17º, art. 74, Lei nº 9.430/1996, com as alterações da Lei nº 13.097/2015).
A Solução de Consulta Interna Cosit nº 13 reconheceu, como documento preferencial para a validação do ICMS a ser excluído, as escriturações fiscais digitais transmitidas mediante o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). Anote-se que o contribuinte deve demonstrar tanto o destaque ou o recolhimento do ICMS, como os efeitos de sua inclusão na base de cálculo do PIS/COFINS, bem assim o efetivo recolhimento destas contribuições, para que possa recuperar o indébito. Porém, o SPED surgiu, no que tange ao ICMS, em 2006 e, no âmbito federal, em 2007, ao passo que os créditos dos contribuintes podem remontar a períodos anteriores, o que significa que esse meio de prova dificilmente abarcará todo o período de recolhimento indevido.
Em relação aos créditos anteriores à escrituração digital, a sua comprovação passa a depender, assim:
(i) das notas fiscais de saída do período ou das guias de recolhimento, no que concerne ao ICMS;
(ii) quanto à inclusão deste montante na base de cálculo do PIS/COFINS, das DCTF, das Declarações de Rendimentos da Pessoa Jurídica (vigentes até 1998) e/ou das DIPJ; e
(iii) quanto ao pagamento do PIS/COFINS, dos respectivos DARFs ou documentos comprobatórios de compensações.
Isso é, não temos dúvida, desafiador: a documentação que se encontra nos processos judiciais geralmente é exemplificativa e a guarda por longos períodos não é comum.
Como consequência, alguns contribuintes acabarão por optar pela liquidação dos julgados em sede judicial, abrindo espaço para novos conflitos sobre os critérios de prova válidos para demonstração do indébito.
É importante pontuar que o art. 7º da Lei nº 13.988/2020 estabelece que a proposta de transação e sua adesão não autorizam a restituição ou a compensação de importâncias pagas, compensadas ou incluídas em parcelamentos. Porém, o que se pretende com o edital de transação é abreviar o procedimento de liquidação, de maneira a superar a problemática a ser instaurada nesse momento processual, antecedente à repetição do indébito ou à compensação.
A disseminação e a relevância do tema, nos termos da Portaria ME 247/2020, é notória, em decorrência da imensa quantidade de processos judiciais e administrativos que dependem de um valor para que se promova a repetição do indébito ou a compensação (inc. I e II, § 1º, art. 30); além disso, é evidente o impacto econômico envolvido – seguramente superior a um bilhão de reais (inc. I, § 2º, art. 30).
Eventual edital produzido nos termos aqui vislumbrados atenderia, pois, aos princípios aplicáveis à transação no contencioso, conforme incisos II e III do art. 2º da mesma Portaria ME 247/2020, prescritores, respectivamente, da necessidade de concorrência leal entre os contribuintes, economicidade e eficiência.
Nesse contexto, o edital de transação poderia dispor sobre outros critérios de prova aptos à demonstração do crédito como a tomada alternativa das notas fiscais de saída ou guias de recolhimento, o livro de apuração do ICMS, podendo, ainda, acatar os lançamentos na conta de “dedução de vendas” (para o destacado) ou na de “passivo” (para o recolhido) constantes dos balancetes contábeis. Quanto às receitas submetidas à tributação do PIS/COFINS, poder-se-ia aceitar que fossem cotejadas com as memórias de cálculo, além de prever, para o cálculo do crédito, a aplicação de percentual sobre o faturamento, de modo a simplificar o procedimento de liquidação do julgado.
Reafirmando o propósito central da transação, a proposta a que nos referimos inibiria a formação do contencioso decorrente do complexo acervo probatório necessário à composição do indébito – aspecto que não se resolverá mesmo após a decisão final do STF.
[2] Lei nº 13.988/2000, art. 20, parágrafo único
[3] ARAÚJO, Juliana Furtado Costa; CAMANO, Fernanda; CONRADO, Paulo César; PISCITELLI, Tathiane. Identificação de casos subsumíveis à transação no contencioso tributário. Jota Jurídico. Publicado em 15 out. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/casos-subsumiveis-transacao-no-contencioso-tributario-15102020. Acesso em: 29 nov. 2020.
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