Em acórdão datado de outubro de 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu à Fazenda Pública o direito de arbitrar a base de cálculo do Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD) através da realização de procedimento administrativo baseado na investigação mercadológica de preços de imóveis.
No caso objeto do julgamento, o Núcleo de Serviços Especializados da Delegacia Regional Tributária de Campinas (SP), ao não concordar com os valores atribuídos aos imóveis urbanos na declaração de ITCMD submetida à análise daquele órgão, abriu procedimento administrativo para arbitramento da base de cálculo e fez investigação mercadológica para apurar o valor de mercado dos imóveis transmitidos. O contribuinte foi notificado da discordância do fisco, do método utilizado para apuração do valor, do valor de mercado apurado pela autoridade fiscal e do prazo para apresentação de impugnação.
Houve apresentação de impugnação que foi julgada improcedente na esfera administrativa. Inconformado, o contribuinte impetrou mandado de segurança sob a alegação de que o fisco estaria exigindo a utilização do valor de referência divulgado pela prefeitura municipal para fins de lançamento do ITBI, em observância ao disposto no Decreto 52.002/09. A utilização do valor de referência do ITBI encontra ampla jurisprudência favorável aos contribuintes no sentido de que a sua previsão em decreto estaria ferindo o princípio da reserva legal, alterando o parâmetro mínimo definido no artigo 13 da Lei 10.705/00 que seria o valor venal utilizado para fins de IPTU. O mandado de segurança foi deferido.
A Procuradoria-Geral do Estado demonstrou, no entanto, em sede de apelação, que em nenhum momento a autoridade fiscal exigira a utilização do valor de referência do ITBI e teria, na verdade, aberto o procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, conforme faculta o artigo 11 da Lei 10.705/00. A sentença foi reformada.
No acórdão, a relatora demonstra que a base de cálculo do ITCMD está prevista no artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN) e que o artigo 9º da Lei 10.705/00 repete a previsão da lei geral. Demonstra, ainda, que o disposto no artigo 13 da mesma lei (valor utilizado pelas prefeituras municipais para fins de IPTU) refere-se a mero parâmetro mínimo para lançamento do imposto.
A magistrada reconhece que o ITCMD é sujeito ao lançamento por declaração (artigo 147 do CTN) e que há autorização legal para que a autoridade administrativa realize procedimento próprio de arbitramento desde que observado o devido processo legal. Indica que o procedimento de arbitramento encontra amparo também no artigo 148 do CTN e que é disciplinado pelos artigos 23 e 24 do Decreto 46.655/02 (Regulamento do ITCMD).
Não é a primeira decisão da Corte neste sentido. Em julgamento anterior[1] o magistrado argumenta, ainda, que é vedado ao Poder Judiciário reexaminar o mérito do ato administrativo que arbitrou o valor venal do imóvel sob pena de imiscuir-se indevidamente nas razões de conveniência e oportunidade da administração. Caberia, segundo ele, o exame de eventuais ilegalidades e desvio de finalidade o que não teria restado comprovado no procedimento adotado pelo fisco.
O julgamento ganha importância porque embora seja amplamente utilizado por vários estados da federação para lançamento do ITCMD e por praticamente todos os entes federativos nos lançamentos referentes aos mais diversos tipos de tributos, o estado de São Paulo utilizava com pouca frequência o arbitramento para aferição da base de cálculo do ITCMD e, recentemente, tem adotado o procedimento administrativo como regra quando não há concordância com os valores atribuídos pelo contribuinte aos bens e direitos transmitidos mortis causa ou por doação.
O tribunal já havia decidido em várias outras oportunidades pela possibilidade da aplicação da técnica do arbitramento para definição da base de cálculo do ITCMD[2], mas ainda são recentes as decisões da Corte nos casos em que o procedimento administrativo fora, de fato, realizado.
Dessa forma, o TJSP decidiu que o contribuinte não tem o direito líquido e certo de calcular o ITCMD sobre a base de cálculo do IPTU uma vez observado o devido procedimento administrativo de arbitramento do valor venal pelas autoridades administrativas.
Ementa:
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ITCMD. BEM IMÓVEL. ARBITRAMENTO. INVESTIGAÇÃO MERCADOLÓGICA. Fisco que não pretende aplicar o Decreto Estadual 52.002/09. Hipótese na qual foi realizado o procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo do ITCMD, com fundamento no art. 11 da Lei Estadual nº10.705/00, regulado pelos artigos 21 a 24 do Decreto nº 46.655/02. Observância do devido processo legal. Inteligência do art. 148 do CTN. Ausência de direito líquido e certo ao cálculo do ITCMD sobre a base de cálculo do IPTU, vez que observado o devido procedimento administrativo de arbitramento do valor venal pelas autoridades administrativas. Precedentes. Sentença de procedência reformada. Reexame necessário e recurso voluntário providos.
[1] TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1049042-23.2018.8.26.0114; Relator (a): Maria Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Campinas – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/09/2020; Data de Registro: 21/09/2020.
[2] TJSP; Remessa Necessária Cível 1020078-46.2019.8.26.0482; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/09/2020; Data de Registro: 21/09/2020.
TJSP; Agravo de Instrumento 3003906-49.2020.8.26.0000; Relator (a): Marcelo L Theodósio; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/09/2020; Data de Registro: 18/09/2020.
TJSP; Remessa Necessária Cível 1025712-15.2020.8.26.0053; Relator (a): Carlos von Adamek; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/08/2020; Data de Registro: 21/08/2020.
TJSP; Remessa Necessária Cível 1003930- 92.2019.8.26.0438; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Penápolis – 2ª Vara; Data do Julgamento: 31/10/2013; Data de Registro: 20/08/2020.
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