BRASÍLIA – O processo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se há implicações penais para o não pagamento de ICMS declarado poderá ser julgado pela Corte ainda esse ano. Ao menos essa é a intenção do relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso. Ele realizou hoje uma audiência pública sobre o tema, que chegou ao STF após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Após a audiência pública de hoje, o ministro afirmou ao Valor que pretende elaborar o voto e sugerir ao presidente Dias Toffoli que o processo seja pautado ainda no primeiro semestre. Há algumas sessões do Plenário com a pauta liberada para temas urgentes. Mas, Barroso considera “mais realista” pensar no segundo semestre.
A tese é relevante para empresários e as Fazendas estaduais. Alguns Estados, como Santa Catarina já adotam a tese e outros, como São Paulo, estudam sua aplicação. O número de pessoas que pode ser atingida pela criminalização dessa conduta nesses dois Estados pode superar 200 mil, segundo o defensor público do Estado de Santa Catarina Thiago Campos afirmou na audiência pública. Já a subprocuradora geral da República, Cláudia Sampaio Marques, disse que esse número mostra quantas pessoas sonegam ICMS.
O tema foi julgado no STJ em agosto do ano passado. Por maioria, a 3ª Seção negou um pedido de habeas corpus de um casal de empresários de Santa Catarina, que não pagaram valores declarados do tributo. A prática foi considerada apropriação indébita tributária. A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão, além de multa, conforme o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137, de 1990.
No pedido, os empresários alegam que são processados criminalmente por mera inadimplência fiscal, sem fraude, omissão ou falsidade de informações. Após a derrota no STJ, recorreram ao STF.
Ao contrário do que aconteceu no STJ, onde o julgamento do tema na 3ª Seção quase passou despercebido por entidades e advogados interessados na tese, no STF associações interessadas – como Fecomercio-SP, Fiesp, Ciesp, Associação Brasileira do Agronegócio(Abag) e Sinditelebrasil – tributaristas e criminalistas participam do caso, até atuando “pro bono”.
Barroso afirmou que um dos argumentos trazidos no processo é que, ao invés de sonegar e não declarar os tributos, os contribuintes passaram a declarar e não pagar. Para o ministro, não há dúvida de que a criminalização auxiliaria na arrecadação. Mas resta saber se o ganho em arrecadação compensa a perda com a exacerbação do direito penal.
No fim da audiência, o ministro afirmou haver uma distorção no sistema tributário, que é a cobrança sobre o consumo. “Eu e meu caseiro pagamos o mesmo tributo”, afirmou.
Para Barroso, a exacerbação do direito penal parece não ser um caminho ideal hoje, nas circunstâncias do Brasil. Mas o ministro ponderou que o não recolhimento tributário faz mal ao país de forma geral, assim como criar vantagens competitivas para quem não é correto.
O advogado Gustavo Amorim, que representa o empresário, citou um precedente contrário à criminalização, julgado pelo STF em 1971 (RHC 67.688/DF). “Até hoje sempre partimos da premissa de que salários são a primeira obrigação do dirigente de uma empresa. A partir do momento que passa a ser crime a inadimplência tributária, vamos nos sentir obrigados, na prática, a rever esse princípio”, afirmou.
O procurador do Estado de Santa Catarina, Giovanni Andrei Franzoni Gil, afirmou que a dívida já chega a R$ 700 mil e citou precedentes do STF envolvendo um tributo português. Em decisão monocrática, em julgamento de extradição de um empresário português acusado de ter não ter pago IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), a relatora, ministra Rosa Weber, considerou que o crime tem equivalência no Brasil, justamente com a apropriação indébita tributária.
A subprocuradora geral da República, Cláudia Sampaio Marques, afirmou que não se trata de mera inadimplência civil.
“Há dolo gravíssimo na conduta”, afirmou. Segundo ela, o ICMS é lançado nos registros da empresa, o valor é incluído nos custos de seus serviços, é repassado ao contribuinte e ele o recebe, como lucro, ao não pagar o tributo.
Apesar da audiência pública, não há previsão de quando o processo será julgado no Plenário (RHC 163.334). Entre os advogados, há pressa pois a decisão do STJ já tem efeitos. Na Corte, foram tomadas 111 decisões desde o precedente da 3ª Seção para retomar as ações penais, segundo o advogado Alexandre Ramos, da Fiesp.
Todos os Estados vivem uma crise financeira severa e a inadimplência do ICMS é extremamente importante na discussão, segundo Luís Cláudio de Carvalho, secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Para um contribuinte que não quer pagar o imposto, a multa é baixa e ele ganha dinheiro se deixar de pagar o devido e investir na sua atividade produtiva, segundo o secretário. “Quando todos os contribuintes brasileiros pagarem seus impostos todos nós pagaremos menos impostos”, afirmou
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