A transferência de créditos fiscais em processos de reorganização societária só será validada pela Receita Federal nos casos em que ficar demonstrado que existiu um “propósito negocial”. Essa informação está na Solução de Consulta nº 8014, emitida recentemente pela Divisão de Tributação (Disit) – que uniformiza a atuação dos fiscais no país.
O texto trata especificamente sobre as operações de cisão parcial, quando apenas parte do patrimônio de uma empresa é absorvido por uma ou mais sociedades. A Receita reconhece que os créditos fiscais podem ser transferidos
e utilizados pela sucessora, mas entende que só deve acontecer dentro de uma estratégia de mercado e não unicamente com o viés de reduzir o pagamento de tributos.
Se o chamado “propósito negocial” não ficar demonstrado, afirma, será entendido como uso de crédito de terceiro e a
consequência pode ser bastante custosa para as empresas. A Receita tende a aplicar o artigo 74 da Lei nº 9.430, que trata sobre as compensações não declaradas. A multa, nessa hipótese, pode chegar a 150% caso o Fisco entenda que houve fraude, dolo ou simulação. Além disso, haverá a cobrança dos tributos que foram quitados com os créditos.
As operações de cisão parcial são muito usadas por grupos econômicos e não é raro ter como intuito a otimização tributária, segundo advogados. Isso ocorre, por exemplo, quando uma das empresas teve um crédito reconhecido judicialmente – por pagamentos a maior -, mas no seu momento atual tem débitos baixos e, por esse motivo, demoraria muito tempo para usar tudo o que tem direito.
Nessas situações, então, as empresas costumam direcionar o crédito, por meio de reorganizações societárias, para outra companhia do mesmo grupo que tem débitos maiores e vai poder utilizar, de forma mais eficiente, aquela quantia.
Sem essa reorganização, a empresa detentora do crédito só teria a opção de entrar com pedido de restituição. “Só que
quase nenhuma empresa faz isso”, diz o advogado João Victor Guedes, do L. O. Baptista Advogados. “Quando se está
diante de valores altos, a Receita tende a não liberar. Pode até aprovar o pedido, mas, na prática, o efetivo desembolso do crédito acaba ficando a perder de vista.”
Essa não é a primeira vez que a Receita se posiciona sobre a transferência de créditos fiscais em operações de cisão parcial.
O mesmo entendimento já havia sido emitido em uma outra orientação, de 2017. Trata-se da Solução de Consulta nº 321, publicada pela Coordenação-Geral de Tributação.
Advogados entendem, no entanto, que esse posicionamento não tem respaldo legal. “Contanto que a operação atenda às formalidades da lei societária e não exista vedação legal ou contratual expressa, não há restrição à transferência de ativos e passivos de qualquer natureza, inclusive aqueles de natureza tributária”, diz Ricardo Maitto, sócio da área tributária do Rayes &Fagundes.
Leo Lopes, sócio do escritório FAS Advogados, chama a atenção para o conceito de “propósito negocial”. Ele considera como subjetivo demais. “É um dos pontos de maior embate entre os contribuintes e o Fisco”, afirma. “A Receita Federal exige a justificativa por trás daquela operação e o contribuinte tem a justificativa. Só que o que ele entende como propósito negocial não necessariamente é o mesmo que a Receita entende. O Fisco é muito mais restritivo”, acrescenta.
Essa discussão sobre a existência de propósito negocial nas operações realizadas pelas empresas são vistas com frequência no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Ocorre, por exemplo, nos casos de ágio – valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada.
O ágio pode ser registrado como despesa no balanço e amortizado, reduzindo os valores de Imposto de Renda e CSLL a pagar. A fiscalização, porém, costuma autuar quando interpreta que a operação foi realizada apenas com a intenção de reduzir a carga tributária. As decisões variam muito conforme o caso. Mas na maioria das vezes, afirmam advogados, a Receita tem levado a melhor.
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