SÃO PAULO – Produtores rurais começaram a questionar normas estaduais editadas este ano para elevar a carga tributária de ICMS do setor agropecuário. No Tocantins, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) obteve liminar para impedir o Estado de tributar o transporte interestadual de produtos que se destinem a empresas comerciais exportadoras. Na maioria dos contratos, o transporte é de responsabilidade dos produtores.
Além do Tocantins, foram editadas normas pelos Estados do Pará e São Paulo. O governo paulista publicou o Decreto nº 64.213, que revoga o direito a crédito em operações com insumos agropecuários isentos de ICMS. Advogados dizem que a norma é ilegal e inconstitucional.
A lista de insumos isentos, que consta do artigo 41 do Anexo I do Regulamento do ICMS de São Paulo, inclui herbicidas, vacinas, rações animais e medicamentos, entre outros produtos usados pelo setor agropecuário. Com a revogação do direito a crédito, a Secretaria da Fazenda estima para o ano um impacto positivo de R$ 211,5 milhões na arrecadação.
As isenções e reduções de base de cálculo do ICMS na venda desses insumos continuam vigentes. Porém, há aumento da carga tributária do setor porque antes os créditos dessas operações eram usados para quitar débitos do imposto estadual.
O governo paulista justifica que o Convênio ICMS do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) nº 74, de 2007, autoriza o Estado a revogar o direito ao crédito. Mas advogados especialistas em tributos argumentam que, por ter entrado em vigor logo após sua publicação, no feriado do dia 1º de maio, o decreto fere o princípio da anterioridade.
“Segundo o Código Tributário Nacional, a criação ou aumento de tributo só pode ser instituído respeitado o prazo nonagesimal [após 90 dias] e para valer a partir do exercício [ano] seguinte”, afirma o advogado André Menon, do escritório Machado Meyer Advogados. “Agora, o ICMS da aquisição desses insumos virou custo e não mais um tributo recuperável.”
Para Bruno Henrique Coutinho de Aguiar, sócio na área tributária do Rayes & Fagundes Advogados, o Estado errou ao fazer a mudança do dia para noite. “De acordo com o princípio constitucional da anterioridade, o governo só poderia fazer isso para entrar em vigor no ano seguinte”, diz. “Empresas já assinaram um série de compromissos e foram pegas de surpresa. Agora, terão que manter os preços antes negociados no mercado, sem mais direito a crédito”, acrescenta.
No Pará, o Decreto nº 28, de 2019, revogou a isenção de ICMS sobre transporte intermunicipal de soja e milho no Estado.
Para Gabriel Hercos da Cunha, do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados, o decreto paraense também viola a anterioridade anual e nonagesimal porque o fim da isenção equivale à majoração de carga.
“Clientes já consultaram e provavelmente vamos ao Judiciário. O agronegócio está sobreonerado nesses tempos de crise”, diz.
Por nota, a Secretaria da Fazenda paraense afirma que a revogação do benefício fiscal foi tomada “porque o transporte de grãos em operações internas não faz parte das isenções previstas na Lei Kandir”. O impacto estimado na arrecadação é de R$ 30 milhões ao ano em ICMS.
No Tocantins, a Instrução de Serviço da Secretaria da Fazenda do Estado nº 1/2019 revogou a isenção do ICMS sobre o frete de produtos destinados a empresas comerciais exportadoras. Para Frederico Favacho, sócio do Mattos Engelberg Advogados e assessor jurídico da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a isenção é legítima. “A exportação não começa no porto, mas na venda com vistas à exportação. E tanto a Constituição como a Lei Kandir garantem a imunidade das exportações”, diz. “Ou seriam acumulados créditos que causariam grandes distorções nos balanços das empresas.”
Procurada pelo Valor, a Secretaria da Fazenda de Tocantins não deu retorno até a publicação da reportagem. A Procuradoria-Geral do Estado disse que ainda não foi chamada a se manifestar no processo.
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