Fux quer que tribunais possam não admitir RE quando há ofensa reflexa à Constituição ou necessidade de análise de fatos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no início do mês, se os tribunais podem impor restrições para que um recurso extraordinário chegue à Corte. A análise foi interrompida após pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que alertou para as preocupações que esta discussão pode trazer para a advocacia do país.
O ministro Luiz Fux, presidente do STF, sugeriu que a Corte fixe a inadmissibilidade de recurso extraordinário por ofensa reflexa à Constituição e/ou para reexame do quadro fático-probatório. Na prática, o processo discute se um tribunal de 2ª instância pode negar a subida de um recurso extraordinário ao STF por causa destes motivos.
Mas o Conselho Federal da OAB pediu para ingressar como interessado na causa e requereu destaque do caso, explicando que a análise da matéria é de “extrema relevância” para a advocacia, tanto pública quanto privada, pois pode criar uma “espécie de poder pleno dos Tribunais” quanto ao juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários. Fux atendeu ao pedido, e a OAB terá a chance de se manifestar antes que a análise sobre a repercussão geral prossiga.
O advogado e professor Lenio Streck, que atua para a OAB neste caso e será o responsável por manifestar a posição da instituição ao Supremo, explicou ao JOTA que, caso esta tese seja aprovada no futuro, “os recursos passarão a ser indeferidos no segundo grau, sem qualquer chance para que as partes discutam no STF os motivos pelos quais o tribunal negou”, dando aos tribunais federais e estaduais a prerrogativa de definir se a ofensa à Constituição foi reflexa ou se há necessidade de reanálise de fatos e provas, sem chance de recurso pelo advogado impetrante do recurso.
“Um tribunal punitivista, por exemplo, toda vez que o réu quiser reclamar que houve ofensa à Constituição, vai falar que é ofensa reflexa à Constituição ou que precisa reanalisar provas. O tribunal que examina a admissibilidade do RE não pode ter a palavra final. Quem examina se, naquele caso, houve de fato rediscussão da prova ou não? Se o tribunal erra, como fica?”, questiona.
Caso esta tese prospere, a única forma de rever a não admissão de recurso extraordinário seria por meio de agravo interno ao próprio tribunal, sem a possibilidade de agravo ao Supremo.
Para Streck, hoje já existe uma limitação que impede que processos cheguem ao STF por recurso extraordinário e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de recurso especial, e isso tornaria “muito menor” a possibilidade de se chegar ao Supremo. “Se o Supremo aprova isso, para o recurso extraordinário, logo logo o STJ vai aplicar isso nos recursos especiais”, pondera. A manifestação da OAB deverá ser enviada ao STF na próxima semana.
O caso
Na origem, uma clínica odontológica de Botucatu, interior de São Paulo, entrou com uma ação de execução para cobrar R$ 1.366,00 de um cliente que estava inadimplente. Em primeira instância, o juiz determinou que o cliente deveria pagar. Então ele recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), visando a diminuição do valor, mas seu pedido não prosperou.
O homem interpôs recurso extraordinário, alegando que houve contrato abusivo em relação de consumo, e sustentou ofensa ao artigo 5°, XXXII da Constituição, que prevê que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
O TJSP não admitiu o recurso extraordinário, por entender que a ofensa foi reflexa à Constituição, que não trata especificamente do direito do consumidor, e que o caso necessitaria de reanálise de fatos e provas.
Por meio de agravo em recurso extraordinário, o caso chegou ao Supremo em maio deste ano, e o relator, presidente Luiz Fux, o levou para análise de repercussão geral em 4 de junho.
Voto de Fux
No ARE 1.325.815, Fux vota para não reconhecer a repercussão geral do processo, e sugere que o Supremo fixe que cabe aos tribunais inadmitirem recursos extraordinários quando há ofensa reflexa à Constituição ou necessidade de análise do contexto probatório.
Fux afirmou que se deve valorizar o papel dos tribunais para averiguar se há ou não questão constitucional para decidir sobre a admissão de recursos extraordinários. Para o ministro, “a ampliação do número de teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal deve ser enxergada como política judiciária, gerando o efeito concreto de reduzir a duração dos processos”.
Isso porque, diz Fux, na prática, o cabimento do agravo contra a decisão que inadmite recurso que revolve o contexto fático ou discuta ofensa reflexa à Constituição “torna o pronunciamento da Corte local quase figurativo, apostando, sem fundamentos, na sua reforma pelo Tribunal Superior”.
O ministro ainda aponta que o índice de provimento dos agravos em recursos extraordinários é baixo. Segundo dados da Secretaria de Gestão de Precedentes do STF, há apenas 1,12% de provimento dos agravos em recursos extraordinários nos últimos três anos, o que, para Fux, “revela o massivo acerto da inadmissão originária”.
Fux pondera que “ao abdicar do exame individualizado dos casos que não ostentam pressupostos mínimos de julgamento pela Suprema Corte, a avaliação geral dos óbices recursais como tema de repercussão geral potencializa todo o sistema delineado no Código de Processo Civil”. O presidente entendeu que aprovar tese que dá aos tribunais a possibilidade de inadmitir recurso extraordinários com ofensas reflexas à Constituição ou quando há necessidade de reanálise fático-probatória, (i) consolida entendimentos longamente solidificados nesta Corte Constitucional, (ii) efetiva a orientação do Código de Processo Civil e (iii) evita o prolongamento desnecessário das demandas submetidas ao Poder Judiciário.
Ao fim, sugere: presume-se ausente a repercussão geral do recurso extraordinário interposto por ofensa reflexa ou indireta à Constituição Federal, bem como daquele apresentado para reexame de matéria fático-probatória. Apenas Fux havia votado, quando a OAB pediu destaque e o presidente atendeu. Após a manifestação da Ordem, o julgamento deve ser reiniciado.
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