STJ tem recurso repetitivo relacionado ao assunto com previsão de análise ainda em abril
Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Crédito: Washington Costa/Ministério da Fazenda
Carece de detalhes a proposta de um novo arcabouço fiscal apresentada nas últimas semanas por Fernando Haddad. Na seara tributária, porém, um dos pontos tratados pelo ministro da Fazenda tem gerado discussão: a inclusão, na base do IRPJ e da CSLL, de benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos estados. A alteração, segundo Haddad, pode gerar um incremento aos cofres públicos entre R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões.
A discussão não é nova. Há anos a esfera administrativa e o Judiciário se debruçam sobre a diferença entre subvenção para investimento, subvenção para custeio e os respectivos tratamentos tributários a cada situação, com posicionamentos recentes favoráveis às empresas. Há, inclusive, um recurso repetitivo relacionado ao assunto pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com previsão de análise pela 1ª Seção no próximo dia 26.
O debate tem origem no fato de, segundo a Lei 12.973/2014, não entrarem no cálculo do Lucro Real (não estando sujeitas à incidência de IRPJ e CSLL) as chamadas subvenções para investimento. Seriam os benefícios de ICMS concedidos pelos estados com uma contrapartida esperada do contribuinte. Por exemplo, construir fábricas, investir em infraestrutura ou abrir postos de trabalho.
A situação, porém, mudou com a edição da LC 160/2017, criada para amenizar os efeitos da guerra fiscal entre os estados. Entre outros pontos, a norma equiparou todos os incentivos fiscais às subvenções para investimentos.
A Lei Complementar foi um divisor de águas principalmente no Carf. Um levantamento feito pelos repórteres Cristiane Bonfanti, Gabriel Shinohara e Mariana Branco, da equipe do JOTA PRO Tributos, dá conta que no conselho, de 2018 a 2023, 14 das 26 decisões da 1ª Turma da Câmara Superior sobre o tema foram favoráveis aos contribuintes. Nesse período, apenas uma decisão foi favorável ao fisco. Em sete processos, os recursos da Fazenda Nacional ou do contribuinte não foram conhecidos, o que significa que o mérito da discussão não foi analisado. Ainda houve dois sobrestamentos, uma conversão em diligência e um provimento parcial ao recurso do contribuinte.
Já no STJ, desde 2017, foram proferidas 16 decisões colegiadas sobre o tema. Todas foram favoráveis aos contribuintes. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, tem entendido que o tema é infraconstitucional, não cabendo à corte analisar processos sobre o assunto.
Voltando ao Carf, a pesquisa demonstrou uma especificidade: até 2021, para derrubar a necessidade de recolhimento do IRPJ e da CSLL, a 1ª Turma da Câmara Superior considerava necessário analisar se os contribuintes cumpriram os termos das leis estaduais que concederam os benefícios e as regras previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014.
A partir de julho de 2021, porém, com o julgamento do processo 13116.721486/2011-29, o colegiado passou a entender que os julgadores do Carf não têm competência para decidir se um benefício é subvenção para custeio ou investimento pela análise da lei estadual.
Conforme a ementa do julgado, “a Lei Complementar 160/17 subtraiu a competência das autoridades de fiscalização tributária federal e dos próprios julgadores do contencioso tributário de analisar normativos locais e, consequentemente, de decidir se determinada benesse estadual ou distrital, referente ao ICMS, trata-se de subvenção de custeio ou de investimento”.
“Com a edição da LC 160/2017, os requisitos que segregam as subvenções para investimento das subvenções para custeio foram dirimidos”, sintetiza Thais De Laurentiis, conselheira do Carf e doutora pela USP.
Não é essa, porém, a visão da Receita Federal. Na Solução de Consulta Cosit 145/2020, por exemplo, a entidade considerou que a partir da LC 160 os incentivos podem ser considerados subvenção para investimento “desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”.
Ao que tudo indica, a solução aventada por Haddad deve ir na linha do entendimento da Receita. Não está claro, porém, quais alterações legislativas seriam necessárias para que o posicionamento fosse possível.
Para o advogado Caio Cesar Nader Quintella, sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi, seria preciso revogar ou alterar a Lei Complementar 160. “As posições tanto do Carf como do STJ são exclusivamente motivadas e fundamentadas na LC 160”, afirma.
A advogada Jeovana Alves Correia, do Wilfrido Augusto Marques, lembra ainda que o STJ tem decisões que afastam a incidência do IRPJ e da CSLL por argumentos que vão além da existência da LC 160. Exemplo é o EREsp 1517492, por meio do qual a 1ª Seção retirou o crédito presumido de ICMS da base do IRPJ e da CSLL. Entre os argumentos utilizados para derrubar a tributação está o respeito ao pacto federativo.
Para a ministra Regina Helena Costa, que redigiu o acórdão vencedor, a tributação da parcela pela União gera um “esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo”, provocando uma competição entre a União e os estados. “Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados”, afirmou a magistrada.
Em 26 de abril, por meio dos REsps 1945110/RS e 1987158/SC, a 1ª Seção do STJ deverá definir, sob o rito dos repetitivos, se estende a posição firmada no EREsp 1517492 a outros benefícios fiscais de ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade e diferimento.
Para Marcelo Jabour, do Jabour Brandão Alkmim Advocacia e Consultoria, o Executivo precisa observar os argumentos utilizados pelo STJ, sob pena de uma eventual alteração legislativa virar letra morta. “Eu me recordo de muitos votos [no STJ] sequer citando a Lei Complementar 160, mas dizendo que, por via oblíqua, a tributação iria retirar o benefício concedido pelos estados, e que o benefício não pode ser considerado lucro”, afirma.
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