Entendimento do TIT e Resposta à Consulta n° 22.085/2020 da SEFAZ/SP vão na contramão do Judiciário.
Dando continuidade ao monitoramento da jurisprudência no âmbito do Projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, no período compreendido entre 21 a 26/09 e 28/09 a 02/10/2020 foram proferidos 40 (quarenta) acórdãos pela Câmara Superior do TIT. Entre os temas analisados neste período, está o da responsabilidade tributária. Pela relevância do tema, neste artigo nos propomos a analisar a questão relativa à responsabilização subsidiária em caso de não recolhimento do imposto devido por substituição tributária, com enfoque em recente Resposta à Consulta publicada pela Consultoria Tributária da SEFAZ/SP (n° 22.085/2020).
A responsabilidade tributária solidária por interesse comum já foi objeto de análise no âmbito deste Observatório. A conclusão da análise, naquele artigo, foi no sentido de que a Câmara Superior mantém entendimento contrário ao firmado no âmbito judicial.
Em suma, no estudo realizado sobre a responsabilidade solidária, observou-se que em operações consideradas inidôneas (nos casos de empresas posteriormente declaradas inaptas), a Câmara Superior do TIT considera válida a aplicação da presunção absoluta de “interesse comum”, independentemente da individualização da conduta e do ônus probatório pelo Fisco de dolo, fraude e conluio do contribuinte com a empresa fornecedora.
Já a responsabilização solidária por interesse comum, nos casos de recebimento de mercadorias de fornecedor posteriormente declarado inidôneo, encontra fundamento no art. 9°, inciso XI da Lei n° 6.374/89 (art. 11, inciso XI, §1° do RICMS/SP), que repete a disposição contida no art. 124, inciso I do Código Tributário Nacional, no sentido de que são solidariamente responsáveis, pelo cumprimento das obrigações tributárias, todos aqueles que têm interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária.
Em três julgados proferidos no período ora analisado (AIIM n° 4084580, n° 4098200 e n° 4092446), repetiu-se o entendimento da Câmara Superior do TIT no sentido de que a inidoneidade do documento fiscal é suficiente para gerar a responsabilidade por interesse comum (no caso, a responsabilidade do adquirente da mercadoria pelo ICMS que deixou de ser recolhido pelo fornecedor).
Tal entendimento, conforme exposto linhas acima, não encontra eco no entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Isto porque, o “interesse comum” tratado pelo art. 9°, inciso XI da Lei n° 6.374/89 (e art. 11, inciso XI, §1° do RICMS/SP) “refere-se às pessoas que se encontram no mesmo polo do contribuinte em relação à situação jurídica ensejadora da exação, no caso, a venda da mercadoria, sendo certo que esse interesse não se confunde com a vontade oposta manifestada pelo adquirente, que não é a de vender, mas sim de comprar a coisa.”[1]
De outro lado, nos casos de não recolhimento do imposto devido no regime da substituição tributária (antecipação do ICMS devido na cadeia de comercialização), o art. 66-C da Lei n° 6.374/89 afirma que a sujeição passiva por substituição não exclui a responsabilidade supletiva do contribuinte pela liquidação total do crédito tributário – trata-se, portanto, de responsabilidade supletiva ou subsidiária.
O RICMS/SP regulamenta, no artigo 267, as hipóteses nas quais são autorizadas a transferência da responsabilidade para o contribuinte substituído. São elas:
I – em decorrência de decisão judicial, enquanto não retomada a substituição tributária, deverão os contribuintes substituídos cumprir todas as obrigações tributárias, principal e acessórias, pelo sistema de débito e crédito, observadas as normas comuns previstas na legislação;
II – tratando-se de débito não declarado em guia de informação, o débito fiscal poderá ser exigido do contribuinte substituído:
a) em razão de fraude, dolo ou simulação, mediante lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa – AIIM;
b) nos demais casos, mediante notificação, cujo não-atendimento acarretará lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa – AIIM.
A primeira hipótese descrita no artigo 267 trata dos casos nos quais, em decorrência de decisão judicial, o contribuinte substituído deve cumprir todas as obrigações tributárias vinculadas, inclusive em relação ao recolhimento do imposto devido na operação.
Já na segunda hipótese, que analisaremos de forma mais detida, tratando-se de débito não declarado em guia de informação, poderá ser exigido o pagamento do ICMS-ST do contribuinte substituído em razão de fraude, dolo ou simulação, por meio da lavratura de Auto de Infração. Nos demais casos, para que seja realizada a cobrança do contribuinte substituído deve haver notificação prévia, cujo não atendimento acarreta a lavratura de autuação.
No entanto, o Estado de São Paulo tem se posicionado no sentido de exigir o ICMS-ST do contribuinte destinatário, automaticamente, nos casos em que o remetente da mercadoria não recolher o imposto de forma antecipada pelo regime da substituição tributária. O entendimento mais recente sobre o tema foi publicado na Resposta à Consulta Tributária nº 22.085/2020, disponibilizada no site da SEFAZ em 11/08/2020.
No caso, trata-se de questionamento de contribuinte sobre a possibilidade de ser considerado responsável solidário na hipótese de algum de seus fornecedores não estar recolhendo corretamente o ICMS por substituição tributária, na revenda de produto cujo recolhimento deveria ser feito de forma antecipada.
A ementa da referida Resposta à Consulta assevera que a falta de pagamento do imposto pelo remetente não exclui a responsabilidade supletiva do contribuinte destinatário pelo recolhimento do ICMS-ST. Todavia, o fisco fundamenta a obrigação do destinatário pelo recolhimento do imposto devido por substituição na disposição contida no artigo 11, inciso XI do RICMS/SP, que trata da solidariedade por interesse comum na prática da infração. As duas figuras legais utilizadas como fundamento da interpretação são distintas, pois na responsabilidade solidária os sujeitos passivos se encontram obrigados pelo cumprimento da obrigação fiscal, devendo haver, para tanto, interesse comum na situação que dá origem ao fato gerador do tributo. Já na responsabilidade supletiva (ou subsidiária) admite-se a transferência da responsabilidade apenas quando todas as tentativas de cobrança do sujeito passivo restarem frustradas.
Ainda, da leitura completa da interpretação do Fisco paulista sobre o questionamento levantado pelo contribuinte, a conclusão é no sentido de que no caso de não recolhimento do ICMS-ST por parte do remetente, na hipótese de operação com mercadoria sujeita à substituição tributária, o recolhimento do imposto poderá ser exigido do destinatário, sem fazer qualquer menção às hipóteses autorizadoras da cobrança do substituído trazidas pelo art. 267 do RICMS/SP (quais sejam, na ocorrência de fraude, dolo ou simulação ou, mediante notificação prévia, após ter sido realizada e frustrada a cobrança do contribuinte substituto).
Sem adentrar no mérito da ausência de previsão expressa da cobrança supletiva do ICMS-ST na Lei n° 6.374/89, em razão da previsão genérica do art. 66-C (em afronta ao disposto no art. 128 do CTN), o que se verifica é que o Estado de São Paulo tem transferido de forma automática a cobrança do ICMS-ST aos destinatários da mercadoria sujeita ao recolhimento do imposto de forma antecipada no início da cadeia de circulação, sem que as tentativas de cobrança do contribuinte substituto tenham sido esgotadas e sem a comprovação da conduta dolosa por parte do substituído.
Frise-se que a possibilidade de cobrança trazida pelo inciso II, “a” do art. 267 do RICMS/SP é expressa ao exigir a comprovação de conduta dolosa do substituído, de forma individualizada, sem a qual não é possível a transferência da obrigação relativa ao recolhimento do ICMS-ST.
Ainda, há que se ressaltar o entendimento da doutrina sobre a impossibilidade de aplicação da responsabilidade supletiva no instituto da substituição tributária[2], em razão da lei atribuir expressamente ao contribuinte substituto a obrigação e responsabilidade integral pelo recolhimento do tributo.
Nessa linha, o C. Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em sede de repetitivo[3], sobre a impossibilidade de atribuição de responsabilidade supletiva ao substituído pelo não recolhimento do ICMS-ST pelo substituto tributário.
Nos termos do julgado, a submissão das operações ao regime de substituição tributária e a imputação da sujeição passiva ao primeiro adquirente das mercadorias exclui por completo eventual responsabilidade pelo pagamento do ICMS que deveria ter sido recolhido de forma antecipada e leva ao seguinte raciocínio: “(…) Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte. (…) Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído)”.
Portanto, apesar da decisão tomada em sede de repetitivo possuir eficácia vinculante para as demais instâncias e tribunais, nos termos do art. 927 do CPC, da análise do entendimento da SEFAZ sobre a matéria, o que se vê é que há nítida discrepância quanto ao alcance da responsabilidade supletiva em relação ao recolhimento do ICMS-ST.
Conclusão
Da breve análise realizada se constata que a responsabilidade supletiva na sujeição passiva por substituição de que trata o caput do artigo 66-C da Lei n° 6.374/89 deve ser interpretada como última ratio ao alcance da SEFAZ para a cobrança do imposto devido por substituição tributária, e não como primeira opção fazendária para a cobrança de contribuinte/adquirente de boa-fé.
Quanto à disposição contida de forma regulamentar no art. 267 do RICMS, admite-se a responsabilização supletiva do contribuinte substituído apenas nos casos em que se comprovar, pela individualização da conduta, a ocorrência de dolo fraude ou simulação ou, nos demais casos, quando esgotadas e frustradas as tentativas de cobrança do imposto do substituto, sempre mediante notificação prévia do contribuinte substituído.
E, nesse contexto, o entendimento publicado pela SEFAZ na Resposta à Consulta Tributária n° 22085/2020, que permite a transferência automática da responsabilidade pelo recolhimento do ICMS-ST ao substituído/adquirente das mercadorias, quando houver falta de pagamento do imposto devido por substituição tributária, não se mostra adequado ao quanto disposto na legislação (tanto no art. 66-C, quanto no art. 267 do RICMS/SP).
Ainda, voltando-se à análise do tema pelo Judiciário, verifica-se que se firmou no âmbito do STJ entendimento no sentido de que a responsabilização do substituído pelo ICMS-ST não recolhido afronta o instituto da sistemática da substituição progressiva. Isto porque, a exigência do imposto não recolhido do substituído contraria a sujeição passiva atribuída de forma integral ao substituto, ator principal e único na relação jurídica tributária com o Estado.
Por fim, diante do posicionamento da Câmara Superior do TIT sobre as questões, bem como baseando-se no entendimento ainda mais restritivo da Consultoria Tributária da SEFAZ/SP sobre a matéria, a temática da responsabilização subsidiária dos contribuintes substituídos em relação aos débitos de ICMS-ST não recolhidos pelo substituto deverá ser resolvida pelos contribuintes apenas no âmbito Judicial.
Autoras:
Vanessa Rodrigues Domene
Thaís Silveira Takahashi
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