Observatório do TIT: Conflitos de competência ISS x ICMS

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TIT-SP. Crédito: Divulgação/Sefaz SP

Dando seguimento à segunda fase do projeto Observatório do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), em que são analisadas decisões da Câmara Superior do TIT, o objetivo do presente texto é o de avaliar as decisões mais recentes sobre o conflito de competência – municipal (ISS) e estadual (ICMS) – na tributação de ‘impressos personalizados’. Vale lembrar que o assunto já foi analisado na primeira fase do projeto, tendo sido objeto do artigo “Conflitos de competência ISS X ICMS”, publicado em 16.12.2018.

Como se sabe, o ICMS incide sobre a circulação jurídica de mercadorias, enquanto o ISS incide sobre a prestação de serviços listados na Lei Complementar 116/03. O conflito de competência relativo à tributação de impressos personalizados consiste então na caracterização de tais impressos personalizados: se mercadorias decorrentes de industrialização por encomenda ou se mero produto resultado de uma prestação de serviço. Esclarecemos, portanto, que embora possa existir um conflito de competência relativo à tributação de impressos personalizados, este suposto conflito decorre meramente da situação fática em que tais impressos estão inseridos.

Logo, se a operação em análise decorrer de uma industrialização por encomenda, que, em breve síntese, consiste em contratar um terceiro para fabricar o impresso personalizado que posteriormente será objeto de nova comercialização pelo encomendante, essa operação estará sujeita ao ICMS.

Por sua vez, se a produção do impresso personalizado for realizada por um terceiro para o usuário final do produto (isto é, não haverá comercialização futura), enquadra-se no item 13.05, da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, sujeitando-se ao ISS: “13.05 – Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS”.

Esse entendimento decorre do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.389/DF, de 13.4.2011, em que o STF definiu que a destinação do produto é importante para definir sua sujeição ao ICMS ou ISS, devendo ser observado se tal produto será posteriormente reinserido em fluxo comercial, ou se será diretamente destinado ao usuário final. Segundo o STF, caso o produto fosse comercializado no futuro, eventual sujeição ao ISS resultaria em distorção da tributação da operação, dada a cumulatividade do imposto.

Esse tema já foi objeto de muitos conflitos entre contribuintes e autoridades fiscais estaduais e municipais, de modo que a distinção da incidência do ICMS e ISS com base na destinação do produto foi inserida pela Lei Complementar 157/16 no já mencionado item 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03.

Vale ressaltar que, na exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar 286/12, que resultou no texto publicado pela Lei Complementar 157/16, explicou-se que a alteração proposta visava dar segurança ao tema, alinhando o texto legal com a jurisprudência firmada pelo STF quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.389/DF. Isso porque, segundo consta na exposição de motivos, a omissão da distinção da incidência do ICMS e ISS com base na destinação do produto resultava em prejuízo aos contribuintes e ao próprio Estado, diante da alta judicialização do tema. Assim, atualmente, a previsão legal do item 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03 está em linha com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Especificamente com relação à jurisprudência do TIT, conforme analisado na primeira fase do Observatório do TIT, não havia unanimidade quanto aos argumentos utilizados nas decisões proferidas pelas Câmaras Ordinárias e pela Câmara Superior do TIT, e nem sempre os julgadores entravam no mérito da destinação do produto para fins de análise do conflito de competência.

O que pretendemos, então, é verificar especificamente os desdobramentos da jurisprudência da Câmara Superior do TIT, para ver se há, agora, um entendimento constante e no sentido do posicionamento do STF e se, eventualmente, as Câmaras Ordinárias estão seguindo esse posicionamento.

Identificamos os seguintes casos analisados pela Câmara Superior do TIT posteriormente à primeira fase do Observatório do TIT: AIIM 4078726-6, julgado em 1º.9.2022, AIIM 4034059-4, julgado em 27.9.2018, AIIM 4031675-0, julgado em 13.9.2018, e AIIM 4034057-0, julgado em 23.8.2018, sendo que os três últimos tratavam da tributação de smartcards de um mesmo contribuinte.

No que diz respeito ao AIIM 4034059-4, ao AIIM 4031675-0 e ao AIIM 4034057-0, apenas para contextualizar, o sujeito passivo era empresa fabricante e fornecedora de smartcards, tendo sido autuada por falta de recolhimento de ICMS, pois, segundo o entendimento do fisco estadual, a operação com os smartcards se caracterizava como efetiva venda de mercadoria, sujeita à incidência do ICMS.

A Câmara Superior, ao analisar os casos, sustentou que a fabricação de smartcards se trata de atividade industrial de produto que poderá ser objeto de posterior comercialização, classificando-os como verdadeiras mercadorias e, por isso, estaria sujeita à incidência do ICMS.

Além disso, os votos proferidos no julgamento dos AIIM 4034059-4 e do AIIM 4031675-0 foram lastreados na Resposta à Consulta 732/2010, em que a SEFAZ/SP já havia firmado seu posicionamento de que “a produção e comercialização do “cartão inteligente”, que possui todas as características de uma mercadoria, ainda que seja industrializado por encomenda, está no campo de incidência do ICMS”.

Já com relação ao AIIM 4078726-6, julgado em 1º.9.2022, a Câmara Superior do TIT entendeu que o material de display ou exibição fabricado para promoção de produtos do encomendante não estaria sujeito à incidência do ICMS.

Segundo o voto vista redigido pelo juiz Edison Aurélio Corazza, favorável ao contribuinte, o impresso personalizado só estaria sujeito à incidência do ICMS caso fosse destinado à operação de industrialização ou comercialização, conforme previsto no item 13.05, da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, de modo que, não sendo o caso, configuraria serviço sujeito à incidência do ISS, conforme se verifica no trecho reproduzido abaixo:

“A nova redação da Lei Complementar, que tem por fim dirimir conflitos de competência tributária como o aqui apresentado, é expressa no sentido de que a única exceção a tributação do serviço de composição gráfica pelo ISS se dá no caso de resultado destinado a posterior operação de industrialização ou comercialização, situações que não se dão no caso concreto”.

Da mesma forma, o juiz Juliano Di Pietro proferiu voto vista favorável ao contribuinte, no sentido de que os produtos resultantes da atividade de serviços gráficos estão sujeitos à incidência do ISS, vez que não se destinam à etapa industrial ou comercial em momento subsequente.

O voto vencido do juiz relator Marco Antônio Veríssimo Teixeira, por sua vez, defendia que a impressão e fabricação de materiais de propaganda e publicidade, que não representem baixo valor e/ou durabilidade e resistência, constituem modalidades de industrialização por encomenda, preponderando a circulação de mercadoria, sujeita, portanto, à incidência de ICMS.

O placar final do julgamento foi de 8×6, prevalecendo os votos favoráveis ao contribuinte. Resta claro, portanto, que a Câmara Superior está agora analisando a destinação dada ao bem, se para futura comercialização ou se para o consumidor final, para fins de determinar a incidência de ICMS ou ISS.

Vale ponderar que especificamente as operações com smartcards não se tratam, necessariamente, de operações de comercialização, mas, sim, “passíveis de comercialização” (afinal, os smartcards não são efetivamente comercializados), o que dá a entender que, embora se analise a destinação dada ao bem, a sua inserção em fluxo comercial pode ser relativizada pelos julgadores.

As Câmaras Ordinárias, por sua vez, igualmente vêm seguindo o entendimento acima, avaliando a destinação do impresso personalizado (se para uso exclusivo do encomendante ou para utilização de terceiros, dentro de um contexto de fluxo comercial).

As decisões das Câmaras Ordinárias, de fato, ponderaram situações em que os produtos resultantes da industrialização por encomenda foram inseridos em novo processo de industrialização ou comercialização (como exemplo, a decisão proferida no AIIM 4101191-0, julgado em 17.10.2018) e, inclusive, afastaram o ICMS em situações em que o produto era destinado ao usuário final (como exemplo, a decisão do AIIM 4026140-2, julgado em 3.12.2020). Esclarecemos que em tais decisões o impresso personalizado não se tratava de smartcard, sendo relativamente mais simples a verificação da destinação dada ao bem.

Em suma, pela análise dos julgados da Câmara Superior e das Câmaras Ordinárias do TIT, é possível afirmar que os julgadores estão buscando tratar o suposto conflito de competência da tributação dos impressos personalizados de acordo com a atual legislação e com a jurisprudência do STF, no sentido de que os impressos personalizados estarão sujeitos à incidência do ICMS se forem posteriormente inseridos em fluxo comercial, enquanto que estarão sujeitos ao ISS se forem elaborados diretamente para um encomendante usuário final do produto decorrente da personalização, conforme item 13.05, lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03.

Vale destacar, contudo e por fim, que há uma certa relativização desse entendimento pelos julgadores da Câmara Superior do TIT nos casos em que o impresso personalizado não seja inserido em fluxo comercial, como é o caso dos smartcards, mas seja destinado a usuários distintos dos encomendantes, de modo que, a princípio, esse entendimento poderia ser questionado pelos contribuintes, ainda que em âmbito judicial.

Autoria:

Caroline Junqueira Ortiz Jones – Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP. Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisadora do NEF-FGV. Advogada.

Daniela Iglesias Seabra – Pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogada.

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