Nem receita maior em 2018 leva Estados a elevar investimentos

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Os relatórios fiscais dos Estados mostram que crescimento de receitas obtido no ano passado esgotou-se com pagamento de despesas correntes. No consolidado de 26 Estados, a receita corrente líquida aumentou de 7,23% de 2017 para o ano passado. Em igual período, a despesa de pessoal do Poder Executivo avançou 6,32%. Em sentido inverso, os investimentos foram sacrificados no último ano de mandato dos governadores e caíram nominalmente 2,4% no período. Se consideradas as despesas primárias de capital, que, além de investimentos em obras, incluem aportes de capital, a queda foi de 7,6%.
Os investimentos totais dos 26 Estados somaram no ano passado R$ 39,79 bilhões. As despesas primárias de capital chegaram a R$ 45,12 bilhões. Dentre os 26 Estados, em 13 houve queda de investimentos ou de despesas de capital no ano passado.
Minas Gerais e Rio Grande do Norte são os Estados com maior queda de investimentos. A despesa primária de capital do governo mineiro totalizou no ano passado R$ 1,86 bilhão, com recuo de 51,5% contra 2017. No Rio Grande do Norte foram aplicados R$ 273,4 milhões nessa rubrica. A queda foi de 52,2% na mesma comparação. Os dois Estados estão em calamidade financeira e iniciaram o ano com atraso de pagamento a servidores, seja dos salários regulares, seja do décimo terceiro.
Os dados consideram a despesa total de pessoal do Poder Executivo informada no relatório de gestão fiscal e os valores empenhados, tanto para investimentos como para despesas primárias de capital. As variações são sempre nominais.
O baque nos investimentos dos Estados não é algo novo, mas os números consolidados de 2018 indicam uma ruptura em relação à esperada recuperação desse tipo de gasto em último ano de mandato.
Levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) com 26 Estados mais o Distrito Federal mostra que na última década os investimentos – medidos sempre pela despesa de capital – atingiram o pico em 2010, último ano de mandato dos governadores que assumiram em 2007. Naquele ano, a despesa de capital dos Estados chegou a 14,5% da receita corrente própria dos Estados. Os investimentos recuaram de 2011 a 2013 e registraram uma pontual retomada em 2014, novamente último ano de mandato dos governadores, quando a despesa de capital atingiu 13,2% da receita própria dos governos estaduais.
Em 2015, atingidos fortemente pelo efeito da recessão na arrecadação dos Estados, os investimentos recuaram para 7,3% da receita própria dos Estados, ainda segundo a IFI. Em 2016 e 2017 representaram, respectivamente, 6,7% e 6,2% das receitas. Até agosto de 2018 a fatia era de 5,2% da receita própria dos Estados.
No ano passado, 19 dos 26 Estados estavam submetidos a um teto de gastos, como contrapartida do acordo de renegociação da dívida feito com a União em 2016. Pelo acordo, os Estados ficam submetidos por dois anos (2018 e 2019) a um limite para gastos que se aplica somente às despesas correntes primárias.
Ou seja, não atinge os investimentos, explica Gabriel Leal de Barros, diretor da IFI. “Mesmo assim os Estados não conseguiram acelerar os investimentos, por falta de recursos. O caminho para a retomada não está, portanto, na flexibilização do teto de gastos.”
José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), diz que a queda de investimentos era esperada. “Essa despesa continua a variável para tentativa de ajuste da equação fiscal.” A recessão, diz ele, comprimiu receitas e as fontes de financiamento para investimentos praticamente desapareceram, até pela retração do Tesouro Nacional em conceder garantias.
Se um Estado quiser investir, segundo o especialista, precisa de poupança própria. “Poucos devem ter”, diz Afonso. “O que preocupa é o futuro, porque o investimento baixo de hoje dita o tamanho do governo estadual de amanhã. Os Estados seguirão perdendo espaço na federação.”
Alagoas foi um dos 13 Estados que aumentaram os investimentos no ano passado. A despesa primária de capital somou no ano passado R$ 973,3 milhões, o que representou alta de 49,3% em relação ao ano anterior. George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, diz que a elevação de investimentos só foi obtida porque o Estado poupou recursos de períodos anteriores. Somente R$ 120 milhões dos investimentos, diz Santoro, foram realizados com empréstimos. Quem não conseguiu preparar um colchão de recursos para esse período precisou cortar investimentos, avalia ele.
Para Barros, a retomada da capacidade de investimentos dos Estados passa por um reequilíbrio fiscal que se inicia, necessariamente, pelo reconhecimento do tamanho da despesa de pessoal. Dados da IFI mostram que, no consolidado, os gastos com folha, incluindo ativos e inativos, passaram de 38,8% para 56,6% da despesa total dos Estados.
Os gastos de pessoal, diz o diretor da IFI, chegam a comprometer 70% da receitas em alguns Estados. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limite de 60% da receita corrente líquida para a despesa de pessoal, considerando todos os poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. “Se não se consegue um reequilíbrio fiscal, também não se consegue fôlego para sustentar políticas públicas.”
A LRF, explica Barros, estabelece uma série de “gatilhos” para os casos em que a despesa de pessoal avança. Os gatilhos, porém, não foram acionados porque os relatórios fiscais mostraram em vários casos despesas de pessoal dentro dos limites, embasados em interpretações diversas dos Tribunais de Contas do Estados (TCEs). “Isso manteve Estados enquadrados nos limites da lei, mesmo quando já havia parcelamentos ou atrasos de salários a servidores e fornecedores.” Por isso, defende ele, a harmonização na interpretação dos TCEs em relação à LRF é o primeiro passo para que os Estados reconheçam sua despesa de pessoal e caminhem para um ajuste de contas. A partir disso, diz ele, é preciso iniciar uma discussão sobre as destinações constitucionais para saúde e educação. “Essas vinculações não contribuem para o equilíbrio fiscal no médio e longo prazos.”
É preciso, diz Barros, confrontar essas destinações obrigatórias com a realidade atual, inclusive com a mudança demográfica em curso. Há Estados mais antigos, com população mais envelhecida, que precisam de mais recursos em saúde e menos em educação, exemplifica ele. As destinações constitucionais, diz Barros, contribuíram para ineficiências alocativas no período em que a arrecadação estava a favor dos Estados. “Depois que a despesa entra na estrutura de gastos, já não é mais possível cortar. A regra de destinação obrigatória para educação não conversa com qualquer critério razoável de gastos por aluno.” Para Barros, é preciso estabelecer critérios levando em conta a diversidade de situações dos Estados.

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