Tributaristas recomendam a formalização de uma política de ajuda de custo para evitar autuações.
Empresas que oferecem ajuda de custo de home office aos funcionários durante a pandemia causada pela Covid-19 têm criado estratégias com tributaristas para evitar autuações da Receita Federal sobre os valores pagos aos empregados.
Segundo tributaristas e membros da Receita Federal entrevistados pelo JOTA, é possível que existam fiscalizações e possíveis autuações cobrando a tributação das verbas. As companhias, assim, se municiam para comprovar que os valores não têm natureza remuneratória, o que atrairia a tributação, mas sim indenizatória.
A estratégia recomendada pelos tributaristas é que a empresa produza um laudo com métricas para comprovar o valor da ajuda de custo paga aos funcionários. Além disso, os especialistas recomendam juntar todas as informações de valores pagos, objetivo dos gastos, o porquê da necessidade do auxílio, formalizando tudo em uma política de ajuda de custo.
Todos os dados reunidos, avaliam tributaristas, servem para evitar autuações e também como argumentação no caso de algum processo administrativo fiscal já instaurado. Devido à novidade do assunto, ainda não existem, segundo especialistas, processos e autuações sobre o tema no contexto da pandemia.
A ajuda de custo home office é um valor oferecido por empresas aos funcionários que trabalham de casa que se popularizou durante a pandemia. O pagamento pode ser específico para auxiliar na conta da internet, luz, compra de equipamentos, entre outros gastos. Os valores podem ser feitos via reembolso ou em uma quantia fixa calculada pela empresa e oferecida ocasionalmente, a depender do combinado com os funcionários.
O principal receio dos contribuintes é a exigência de contribuições previdenciárias sobre os valores pagos a título de auxílio home office, baseado no entendimento da Receita Federal de que o auxílio é, na verdade, um “salário disfarçado”. Especialistas também citam a possibilidade de cobrança de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), mas em menor escala.
“Após a reforma trabalhista, a regra de ajuda de custo não tem natureza remuneratória, mas sim indenizatória, por isso não há incidência das contribuições”, afirma Vivian Casanova, sócia do BMA Advogados. Ela explica que muitas empresas já consultaram o escritório para saber se há risco de autuação.
“Todas as empresas querem dar auxílio de custo aos funcionários para recompor um gasto que o funcionário tem. Mas, ao mesmo tempo, querem ter segurança que ao oferecer esse auxílio não há incidência das contribuições previdenciárias”, acrescentou a tributarista.
O tributarista Alessandro Mendes, sócio do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, também recebeu a demanda de clientes preocupados com autuações que exijam a tributação do auxílio home office. “Agora que o home office é uma necessidade, as empresas questionam qual o melhor modelo e o risco dessa política”, afirmou.
Estratégias
Para as empresas que estão preocupadas com autuações, a sugestão dos tributaristas é ter o controle de todos os gastos feitos por meio do auxílio home office. “Recomendamos que as empresas produzam estudos para demonstrar o valor médio que é repassado como ajuda de custo”, afirma a tributarista Vivian Casanova.
Para ela, um laudo com todo o estudo dos valores repassados aos funcionários mostra ao fisco em futuras fiscalizações que houve um planejamento dos valores, sem margem para abusos por parte dos contribuintes.
Segundo Alessandro Mendes, a ajuda de custo deve ser compatível com o salário do funcionário para não ser caracterizada pelo fisco como uma remuneração. “A grande questão é definir o objetivo da ajuda de custo e fazer a métrica para comprovar ao fisco e ao Carf que o valor é razoável, sem natureza de acréscimo salarial”, afirmou.
Ele acrescenta que é importante por parte da empresa a formalização de termos de ajuda de custo, com a presença de um regulamento. “Precisa estar informado a periodicidade, duração, o que a ajuda visa indenizar e qual a métrica utilizada”, explicou o tributarista.
Os tributaristas entrevistados pelo JOTA explicaram que a ajuda de custo precisa ser razoável e proporcional ao salário. Por exemplo, um funcionário com salário de R$ 3 mil e que recebe a ajuda home office de R$ 200, segundo tributaristas, dificilmente terá o valor autuado como uma remuneração indireta. Diferentemente de um empregado que tem o mesmo salário, mas recebe uma “ajuda” de R$ 2 mil, por exemplo. Esse valor pode ser interpretado pelo fisco como uma remuneração.
Receita Federal
Segundo auditores fiscais da Receita Federal entrevistados pelo JOTA, a partir do momento em que há uma situação temporária, como o auxílio home office durante a pandemia, sempre existe a possibilidade de fraudes por parte dos contribuintes.
“Ajuda de custo com conta de luz, ergonomia e internet não são valores expressivos. Entretanto, uma vez que isso se torna exagerado, com certeza a Receita Federal pode considerar como fraude por ser uma remuneração disfarçada”, afirmou um auditor fiscal.
Outro membro da Receita Federal afirmou que, em tese, a Receita deve autuar os contribuintes que fraudarem o fisco, mas ainda não é possível saber como o órgão conseguiria saber se de fato existe uma fraude para iniciar a fiscalização. Por isso, o auditor acredita em autuações “pontuais”, ou seja, somente com reais indícios de fraude.
Isso porque, no cenário da pandemia, é difícil, avalia o auditor, saber exatamente quanto o funcionário gasta a mais usando a internet de casa, quanto do aumento da conta de luz foi causado pelo trabalho em home-office, entre outras situações.
Carf
Recentemente, o Carf tem proferido decisões sobre a questão da tributação de auxílios de custos. Os processos, anteriores ao período da pandemia, tratam da incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores pagos, e o motivo para a tributação é, normalmente, a não comprovação de que houve gasto por parte do funcionário com algo relacionado ao trabalho.
A situação consta no acórdão 2301-01.539, proferido pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção em junho de 2020. Por unanimidade de votos, o colegiado decidiu tributar a Fundação Educ Radio Televisão Ouro Preto pela ajuda de custo em viagens de servidores da
fundação para aplicação de vestibulares. Segundo o acórdão “Não há elementos que demonstram que tais valores foram para ressarcir despesas dos servidores”.
O acórdão também cita que “é obrigação de toda empresa informar corretamente, em GFIP, dados de interesse do INSS, relacionados ou não com os fatos geradores da contribuição previdenciária, e como não é facultado ao servidor público eximir-se de aplicar uma lei, a Autoridade Fiscal, ao constatar o descumprimento de obrigação acessória, lavrou corretamente o presente auto”.
Outro caso consta no acórdão 2401-006.893, julgado pela 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção. A discussão envolveu a contribuinte BrasilSat Ltda, que perdeu o processo em outubro de 2019, por maioria de votos.
Na ocasião, o colegiado decidiu que integram o salário a ajuda de custo e as diárias pagas aos empregados quando “não fica demonstrado que os pagamentos destinam-se a ressarcir despesas inerentes à execução do trabalho, pagos na forma de prêmios para serviços realizados em campo (diárias de viagem)”.
Segundo a decisão, as diárias para viagem exigem comprovação do “dano causado pelo empregador ao empregado, ou seja, que este utilizou de seu próprio patrimônio, sua renda, em benefício daquele, do empregador, em razão de uma viagem a trabalho, por óbvio para local diverso de sua prestação habitual, cujo custeio foi arcado pelo prestador do serviço, pelo trabalhador, o que enseja a reparação por meio da verba em comento”.
As decisões citadas, avaliam os tributaristas, comprovam a importância do registro dos gastos com home office por parte dos empregados e um estudo de métricas para mostrar ao fisco o porquê dos valores fornecidos.
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