Empresa em recuperação usa prejuízo fiscal para abater dívida com PGFN

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Fonte da Imagem: Shutterstock

Uma empresa em recuperação judicial desde 2015 fechou o primeiro acordo de transação tributária com previsão de uso de prejuízo fiscal para abatimento da dívida. Por meio de uma transação individual com a União, o Grupo Agromaia, especializado em produtos agropecuários, conseguiu reduzir seu passivo inicial de R$ 47 milhões para R$ 7 milhões. A dívida poderá ser quitada em 60 parcelas de R$ 104 mil por mês. O acordo foi homologado no dia 29 de setembro.

O prejuízo fiscal de uma empresa pode ser compensado com os lucros positivos de exercícios futuros no cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), até o limite de 30%. Desde junho, com a edição da Lei nº 14.375, pode ser usado para a quitação parcial de dívidas administradas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e Receita Federal até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos.

Um mês depois, a Portaria nº 6.757 da PGFN estabeleceu os critérios objetivos para que a União possa aceitar, em casos excepcionais, o aproveitamento desse prejuízo fiscal. A medida passou a ser permitida para situações que envolvem créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

No caso da Agromaia, o que mais contou foi o fato dela estar em recuperação judicial. Segundo o advogado que assessorou a empresa, Frederico Loureiro, sócio do LCSC Advogados, ficou comprovado que ela teria necessidade de fazer esse aproveitamento do prejuízo fiscal para conseguir pagar o que deve. “No caso de empresa em recuperação judicial, considera-se a dívida irrecuperável e que ela necessita de uma ajuda adicional, com prazos e deságios maiores para conseguir quitar a dívida”, diz.

Esse acordo pode servir como parâmetro para as demais empresas que estão em grande dificuldade, segundo o advogado. “O que vimos é que a procuradoria está realmente disposta a usar esse instrumento [abatimento no uso de prejuízo fiscal], desde que comprovada a real necessidade da empresa”, diz.

Para Loureiro, com a homologação dessas transações, ocorre uma mudança de paradigma entre Fisco e empresas. “A PGFN deixa de ser um órgão de mera cobrança para estar mais próximo do contribuintes e disposta a estudar e achar uma saída concreta para que regularizem suas dívidas”, diz.

O acordo com o Grupo Agromaia foi firmado por meio de uma transação individual. Nela, há uma negociação direta entre a empresa e a PGFN e tenta-se encontrar uma solução mais personalizada, levando em consideração a realidade da empresa.

Até agora foram firmados 160 acordos de transação individual no país. Desse total, ao menos 20 foram celebrados com contribuintes em recuperação judicial, segundo a assessoria de imprensa da PGFN. “Importante lembrar que a empresa estar em recuperação judicial é um elemento autorizativo, independentemente do valor do débito, para proposição de acordo de transição individual, conforme o artigo 46, inciso II, da Portaria PGFN nº 6757, além de garantir ampliação dos limites de desconto”, diz a nota da PGFN.

No caso da Agromaia, ela apresentou uma primeira proposta de transação no dia 21 de abril de 2021, mas só teve seu pedido deferido em junho deste ano pela PGFN, época que houve a edição da lei que prevê a possibilidade de aproveitamento do prejuízo fiscal. Com isso, preferiu aguardar a regulamentação feita pela portaria, no mês seguinte, para apresentar nova proposta.

Na primeira proposta apresentada pelo Agromaia, sem o uso do prejuízo fiscal, a dívida com os descontos, diminuiria de R$ 47 milhões para R$ 23 milhões. Com o uso do prejuízo fiscal no limite de 70% previsto pela lei, a dívida a ser paga fechou em R$ 7 milhões, em 60 parcelas.

“Além da redução significativa dos valores, com o fechamento desse acordo a Agromaia conseguiu ter suas principais dívidas equalizadas na esfera cível, depois trabalhista e agora tributária com a União”, diz Loureiro. A empresa tem um plano de recuperação judicial em cumprimento, com duração de 17 anos.

O uso do prejuízo fiscal para amortizar as dívidas talvez seja o maior benefício da lei de transações, segundo o advogado Eduardo Bitello, sócio da Marpa Gestão Tributária (MGT). Ele, que atuou recentemente num caso em que a União aceitou um precatório federal como parte do pagamento, diz que esse novo mecanismo pode ser até mais vantajoso.

O advogado explica que, muitas vezes, a empresa precisa comprar o precatório com deságio no mercado. “No caso do prejuízo fiscal, não precisa desembolsar dinheiro. Além disso, para compensar tem uma trava de 30% para a sua utilização e, na transação, pode usar até 70%”, diz. “É uma vantagem muito grande”, afirma.

Contudo, Bitello pondera que não são fáceis de preeencher os requisitos previstos no artigo 35 e seguintes da Portaria nº 6757 para fazer jus ao benefício. Para ele, isso só deve ser usado realmente em situações excepcionais.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da PGFN confirmou ao Valor que a transação do Grupo Agromaia foi a primeira celebrada com o uso de prejuízo fiscal. O órgão também antecipou que “diversas outras transações com o uso de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa, para a melhor e efetiva composição do plano de regularização, estão em vias de serem finalizadas”.

Ainda ressaltou que a PGFN “está aberta às tratativas com os contribuintes”. Neste sentido, divulgou, recentemente a Portaria PGFN nº 8.798 (QuitaPGFN) “que, embora tenha um caráter excepcional (em virtudes dos efeitos econômicos decorrentes da pandemia) amplia as opções de negociações postas à disposição para a regularização fiscal”.

A Portaria nº 8.798, publicada no dia 7 de outubro, permite, na prática, que contribuintes que efetuaram transações antes da publicação da Portaria PGFN nº 6.757, de 2022, possam renegociar suas dívidas se valendo do uso do prejuízo fiscal, em casos excepcionais. O órgão estima que a medida pode levar à negociação de R$ 2 bilhões em saldo – R$ 600 milhões em dinheiro e R$ 1,4 bilhão em prejuízo fiscal e base negativa da CSLL.

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