CNJ indica que bancos privados poderão administrar depósitos judiciais

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BRASÍLIA – (Atualizado às 19h05) O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir que os tribunais do país contratem bancos privados para administrar os depósitos judiciais. Hoje esses valores — estimados em mais de R$ 500 bilhões — ficam somente com as instituições públicas. O Banco do Brasil recebe a quantia decorrente dos processos em andamento na Justiça Estadual e a Caixa Econômica Federal fica com o montante dos Tribunais Regionais Federais e da Justiça do Trabalho.
Esse tema chegou ao CNJ por meio de um pedido do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que pretende abrir um processo de licitação em que possam concorrer bancos públicos e privados. O caso foi convertido em consulta — com efeito vinculante para todos os tribunais do país. A votação começou na sexta-feira passada, no plenário virtual, e se encerra à meia-noite desta sexta-feira.
Já há ampla maioria pela liberação: 12 conselheiros votaram a favor e só um se manifestou de forma contrária. O placar final depende de apenas mais um voto — o que torna impossível uma reviravolta no julgamento.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e o corregedor nacional da Justiça e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, estão entre os que já se posicionaram por permitir que os bancos privados administrem os depósitos judiciais.
Há expectativa de que a inclusão das instituições privadas gere um aumento na remuneração aos tribunais. O TJ-SP, por exemplo, que tem cerca de R$ 90 bilhões depositados no Banco do Brasil, recebe atualmente 0,25% ao mês. Segundo informações do mercado, às quais o Valor teve acesso, os bancos privados estariam dispostos a pagar mais que o dobro para administrar o montante.
A quantia gerada apenas pelos depósitos do TJ-SP é maior, por exemplo, do que os depósitos à vista que alguns dos grandes bancos privados têm em todo o país. “Há muito interesse. Esse dinheiro vem limpo, o banco capta sem custo, e pode ser reaplicado para o cheque-especial, por exemplo, em que o banco vai poder ganhar muito em cima”, diz uma fonte.
Os depósitos judiciais são verbas de particulares que têm ações na Justiça. As partes depositam como garantia das discussões e ao fim, quando há o vencedor da disputa, os valores são levantados. A correção, hoje, é igual à da poupança.
Relator do caso no CNJ, o conselheiro Arnaldo Hossepian afirma, no seu voto, que os tribunais terão de utilizar como parâmetro para a escolha da instituição financeira que administrará os depósitos “as diretrizes adotadas pelo Banco Central em seus diversos normativos”.
“Pode o tribunal avaliar indicadores de capacidade financeira das instituições interessadas em participar da seleção, com apontamento de limites prudenciais de adequação de capital (Resolução Bacen nº 4.280/2013); bem ainda com observação dos índices de qualidade do capital, de capitação, de inadimplência, de rentabilidade, além do próprio patrimônio de referência das instituições (Resolução Bacen nº 4.193/2013, 4.677/2018 e outras)”, consta no texto.
O presidente do TJ-SP, desembargador Manoel Pereira Calças, afirma que o contrato com o Banco do Brasil se encerrou ontem e a licitação para a nova administração dos depósitos judiciais da Corte — que é a maior do país — deve ser realizada já este mês. “O que existe hoje é um duopólio, enquanto que o princípio econômico do Brasil é o da livre concorrência”, diz.
Segundo o presidente do TJ-SP, a verba repassada pelo banco ao tribunal — em decorrência da administração do depósitos — só pode ser usada como investimento para a “prestação jurisdicional”. Não serve, por exemplo, para o pagamento de servidores ou benefícios aos juízes. Todo o recurso é direcionado para o que se chama de fundo especial.
“E isso é positivo também para o poder público, no caso do TJ-SP, o Estado de São Paulo. Porque o orçamento é um só. Se eu receber mais, eu vou pedir menos”, frisa. “Para mim não interessa a fonte, para mim interessa pagar as contas do tribunal”, completa Pereira Calças.
Fazia muito tempo que os tribunais tentavam permissão para os bancos privados entrarem na concorrência. A última
decisão do CNJ sobre o assunto era de 2008, quando o conselho anulou um convênio entre os tribunais de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e de Minas Gerais (TJ-MG) com o Banco Bradesco.
Prevaleceu, na época, o entendimento do então conselheiro Altino Pedrozo dos Santos, relator do caso. Ele considerou uma regra do Código de Processo Civil (CPC) que diz que os valores têm de ser preferencialmente depositados em “banco oficial”. Para Pedrozo, significava, então, que somente Banco do Brasil, Caixa ou uma instituição estadual poderiam administrar os depósitos judiciais.
Os bancos particulares, de acordo com o entendimento da época — e que prevaleceu até agora — só poderiam ser considerados no caso de não existirem “instituições financeiras oficiais” no local de sede do tribunal.
Agora, com a mudança de posicionamento do CNJ, passa a valer a regra de que os depósitos podem ser efetuados no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal ou ainda, se o tribunal não aceitar o critério preferencial proposto na
legislação — “e observada a realidade do caso concreto” — realizar procedimento licitatório “visando a escolha da proposta mais adequada para a administração dos recursos, com a aplicação dos regramentos legais e constitucionais aplicáveis”.
O conselheiro Henrique Ávila, que acompanhou o voto do relator, explica que a mudança de entendimento está relacionada à expressão “preferencialmente”, que consta no artigo 840 do CPC. “Manter o entendimento restritivo ao vocábulo ‘preferencial’ acabaria por ferir o princípio da livre iniciativa”, ele afirma. “É fato e notório que o sistema bancário brasileiro se encontra dentre os mais sólidos do mundo”, acrescenta o conselheiro do CNJ.
Ávila vê como bastante rígidos os parâmetros de monitoramento e de fiscalização que são estabelecidos pelo Banco Central.
Diz que estão alinhados com as diretrizes do Comitê da Basileia — o comitê internacional de supervisão bancária — e não há dúvidas a respeito da competência dos serviços ofertados pelas instituições financeiras autorizadas a funcionar no país, sejam elas públicas ou privadas.
Em igualdade de condições, portanto, Ávila afirma, não se justificaria a manutenção “de tratamento anti-isonômico, anticoncorrencial e monopolizante”. “Por princípio, a falta de concorrência não faz bem a ninguém”, diz. “Isso [decisão do CNJ] será positivo inclusive para os bancos públicos, que a partir de agora poderão estudar melhores benefícios para os tribunais e na prestação de serviços para os advogados e para as partes”, completa.
O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal ainda podem ingressar com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a decisão do CNJ. Ambas as instituições foram procuradas pela reportagem. O Banco do Brasil informou que não iria comentar e a Caixa não deu retorno até o fechamento.

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