CARF analisa o impacto no saldo negativo a partir do crédito por imposto pago no exterior.
As implicações decorrentes do modelo de tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior sempre foi objeto de controvérsias desde a edição da Lei nº 9.249/95, autorizando a tributação de tais resultados.
Com efeito, em âmbito administrativo e judicial inúmeros são os embates entre Fisco e Contribuintes em relação ao momento em que os lucros auferidos devem ser considerados disponibilizados em favor da coligada ou controladora no Brasil, os efeitos da aplicação dos tratados como instrumento ao diferimento de tal tributação, assim como questões acerca do próprio conceito de lucro no exterior a ser tributado.
Dentro deste contexto, trazemos à tona recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que acabou por abordar a questão relativa ao aproveitamento do imposto recolhido no exterior em face dos lucros lá auferidos.
Ou seja, quais são os limites ao aproveitamento de tal crédito e como deve ser o procedimento para, mediante o aproveitamento de tal crédito, evitar-se a dupla tributação, conforme atualmente previsto no art. 87 da Lei nº 12.973/14.
Sobre tal tema, ao final de janeiro turma da Primeira Seção do CARF decidiu, a unanimidade de votos, que o imposto de renda pago no exterior por investidas de empresas brasileiras não pode ser utilizado na dedução de estimativas mensais do IRPJ e da CSLL.
O Tribunal também concluiu que tais tributos não podem compor o saldo negativo dos contribuintes na medida em que “o IR pago no exterior não é passível de restituição”, podendo “ele apenas ser utilizado na apuração de IRPJ e CSLL a pagar, quando houver a adição de lucros de coligadas/controladas no exterior, dentro do limite da participação e do lucro reconhecido, sem compor saldo negativo” (Acórdão nº 1401-004.116).
De acordo com as informações extraídas do referido acórdão, no exercício findo em dezembro de 2014 o Contribuinte não conseguiu compensar no Brasil a integralidade do imposto de renda recolhido por investidas no exterior, em virtude de não ter apurado lucro real positivo.
Assim, procedeu à escrituração do imposto não compensado na Parte B do Lalur, para dedução em exercícios subsequentes, conforme disciplinava a Instrução Normativa n. 1.520/14, em seu artigo 30, §§ 14 e 15.
No exercício subsequente passou a deduzir esse crédito na apuração das estimativas de IRPJ e CSLL entre os meses de setembro e dezembro. No entanto, verificou que as estimativas mensais pagas superaram o montante dos tributos efetivamente devidos ao final do exercício, hipótese em que o “excesso” de estimativas recolhidas deveria ser convertido em saldo negativo. Para tanto, apresentou Pedido de Restituição/Ressarcimento (PER), por meio do qual formalizou o crédito associado ao saldo negativo.
O PER não foi homologado pela Receita Federal, em função de ser em parte composto por tributos pagos no exterior. O Contribuinte apresentou manifestação de inconformidade, dando início ao contencioso administrativo resultando, após julgamento de improcedência pela DRJ, na chegada do processo ao CARF.
Em sua fundamentação, o Conselheiro Relator destaca que, para que a estimativa pudesse ser compensada com imposto pago no exterior, o Contribuinte deveria ter declarado os débitos e feito a extinção por meio de Declaração de Compensação (DCOMP).
Em seguida, complementa que somente créditos passíveis de restituição ou ressarcimento podem ser utilizados na compensação de débitos relativos a tributos administrados pela Receita Federal. Logo, tributos pagos no exterior não seriam passíveis de repetição no Brasil, razão pela qual não podem ser parte integrante do saldo negativo.
Ao final o acórdão registra que a legislação não prevê o aproveitamento do imposto pago no exterior em períodos subsequentes àquele em que os respectivos lucros das investidas estrangeiras foram tributados no Brasil. Tal possibilidade surge tão somente por meio de normativos da Receita, ilustrando espécie de “benefício fiscal veiculado não por meio de lei, mas de instrução normativa”.
Essa decisão, assim como os acórdãos dos casos correlatos envolvendo o mesmo Contribuinte, é uma das primeiras a abordar com profundidade o tema, podendo ainda ser reformada pela Câmara Superior e eventualmente discutida judicialmente.
A nosso ver, os fundamentos e conclusões apresentados no acórdão em questão passíveis de questionamento. Primeiro porque passa ao largo da própria Instrução Normativa n. 1.520/14, que expressamente autoriza a dedução do imposto pago no exterior em exercícios subsequentes com “o que for devido” de IRPJ e CSLL (artigo 30, § 14), sem fazer distinção sobre a compensação desse crédito no pagamento de estimativas mensais – que também possuem natureza de IRPJ / CSLL “devidos” – ou no ajuste anual dos tributos.
Aliás, pela literalidade da Instrução Normativa, a rigor essa compensação poderá ser feita inclusive na hipótese de nos anos subsequentes sequer haver lucros auferidos no exterior adicionados ao lucro real.
Outro aspecto de atenção refere-se ao fato de as decisões condicionarem a utilização desse crédito à apresentação de DCOMP associada às estimativas mensais.
Trata-se da exigência de uma condição impossível, pois, como se sabe, a DCOMP se presta a compensação de tributos administrados pela Receita, conceito não aplicável ao imposto pago no exterior.
Não por menos a utilização desse crédito, conforme disciplina da Receita Federal, ocorre mediante dedução direta na apuração dos tributos devidos. Ademais, a Instrução Normativa n. 1.520/14, ao tratar da compensação desse crédito em exercícios subsequentes, em momento algum vinculou o exercício desse direito à apresentação de DCOMP.
Por último, entendemos ser equivocada a percepção de que a Receita Federal estaria, por meio de Instrução Normativa, concedendo um benefício fiscal aos contribuintes. Se esse fosse o caso, estaríamos diante de renúncia fiscal concedida por órgão do poder executivo, prática flagrantemente inconstitucional.
A Constituição indica ser a lei o único instrumento possível para a concessão de incentivo tributário (artigo 150, § 6º). Isso sem falar que qualquer renúncia está sujeita à ampla regulação, devendo obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal e condicionada a estudos específicos quanto ao seu impacto no orçamento do Estado. As Instruções Normativas têm natureza estritamente regulamentar e jamais podem criar ou extinguir direitos.
É preciso se ter em conta que o direito à compensação do imposto pago no exterior é previsto em lei (artigo 87 da Lei n. 12.973/14), sendo justificado pela máxima de que um mesmo rendimento não pode ser duplamente tributado, tanto no país de fonte, como no de residência da investidora.
A possibilidade de compensação em exercícios seguintes prevista pela Instrução Normativa n. 1.5020/14 é mero desdobramento desse direito, buscando conferir efetividade ao texto legal nos específicos casos em que a dedução não ocorre em função de a empresa brasileira apresentar lucro real inferior (ou mesmo prejuízo) aos lucros no exterior.
Destarte, no nosso entender os fundamentos do acórdão em comento acabam por impor uma restrição ao exercício desse relevante mecanismo criado pelo legislador para eliminação da dupla tributação da renda e, mais ainda, implicam violação ao princípio da capacidade contributiva.
Isso porque, o entendimento veiculado acaba por negar ao Contribuinte o direito à compensação com tributos pagos a maior em determinado exercício, na medida em que, se de um lado exige a inclusão dos resultados no exterior para fins de apuração do lucro tributável do exercício, por outro lado nega na prática a utilização do crédito pago no exterior quando, em face da universalidade, o resultado do exercício decorrente da computação dos resultados no Brasil e no exterior for negativo, vedando o transporte daquele pagamento a maior para o exercício seguinte conforme pretendido pelo Contribuinte nos fatos que deram ensejo ao acórdão aqui apresentado.
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