Câmara Superior de Recursos Fiscais analisa os efeitos da postergação no lançamento

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CARF

Fonte da Imagem: AGM

Precedente indica que efeitos da postergação podem ser considerados durante o curso do processo.
Hoje nos debruçaremos sobre o entendimento do Carf firmado em precedente da 1ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) que analisou os efeitos da postergação no lançamento, ainda que não considerados pela autoridade fiscal no momento da formalização da exigência, incluindo-se a discussão quanto ao ônus probatório nessas situações.
Trata-se do Acórdão nº 9101-004.212[1], julgado na sessão de 04 de junho de 2019, em processo cujo lançamento dizia respeito à exigência de IRPJ decorrente de compensação indevida de prejuízo fiscal de períodos anteriores.
Antes de adentrarmos no cerne da decisão, convém fazermos uma breve síntese sobre o tema.
A matéria é tratada no atual art. 285 do RIR/2018[2] e basicamente determina que, quando receitas, rendimentos, custos ou deduções, ou ainda reconhecimento de lucro, forem registrados no período de apuração incorreto somente redundará em lançamento nas hipóteses em que houver postergação do pagamento de imposto para período de apuração posterior ao que seria devido, ou quando redundar em redução indevida do lucro real. Já tendo havido recolhimento de imposto decorrente desse registro equivocado, o lançamento da diferença deverá ser realizado pelo valor líquido, depois de deduzido o imposto já pago, sem prejuízo da cobrança de multa moratória e juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido a postergação.
Retornando ao citado precedente, na parte que interessa ao presente estudo, o acórdão em recurso voluntário nº 1402-00.534 havia dado provimento ao apelo do contribuinte concluindo que como o lançamento não havia levado em consideração a ocorrência de postergação, não caberia aos julgadores aperfeiçoar o lançamento.
A PGFN apresentou recurso especial citando dois paradigmas em que o entendimento firmado permitiria que, ainda que o lançamento não tivesse levado em consideração a hipótese de postergação, seus efeitos poderiam ser aplicados em sede de julgamento, a depender de prova que caberia ao contribuinte trazer aos autos.
Nesse ponto, o recurso da PGFN foi admitido por unanimidade de votos.
Relembramos que o mérito do lançamento era que o contribuinte, no ano de 1997, tendo apurado lucro real no período, o compensou em percentual superior ao limite fixado em lei (30%) com prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores.
O relator do acórdão em análise concluiu ter havido falha no lançamento, uma vez que o excesso de compensações no ano de 1997 poderia ter sido compensado nos anos seguintes, o que redundou em recolhimento a maioria de IRPJ nesses períodos, fato não observado pela autoridade fiscal autuante no momento da lavratura do auto de infração, ou seja, deveria o Fisco ter exigido o tributo sob a forma de postergação, nos termos do art. 273 do RIR/99 (atual art. 285 do RIR/2018). Segundo o voto do relator, esse dispositivo não deixaria dúvidas sobre o procedimento a ser adotado pelo Fisco, e que a inobservância dessa regra não poderia ser classificada como mero erro de cálculo passível de correção pelas instâncias julgadoras, mas sim em erro material que levaria à nulidade da exigência.
A discussão travada no âmbito do colegiado ensejou a necessidade de votações sucessivas, a teor do que dispõe o art. 60 do Anexo II do RICARF[3]: em primeira votação, o relator,
acompanhado por uma conselheira, encaminhou seu voto por negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, três conselheiros votaram por lhe dar provimento integral, ou seja, restabelecer integralmente a exigência, e outros três por lhe dar provimento parcial para que os cálculos referentes à postergação fossem executados em sede de liquidação da decisão. Em segunda votação, novamente só dois conselheiros votaram por negar provimento ao recurso da PGFN, prevalecendo o provimento parcial ao recurso, cuja redação do voto vencedor ficou a cargo da Conselheira Edeli Pereira Bessa.
O voto condutor do aresto, nesse ponto, iniciou citando a aplicação do enunciado nº 36 da Súmula Carf ao caso concreto, verbis:
Súmula Carf nº 36: A inobservância do limite legal de trinta por cento para compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas da CSLL, quando comprovado pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, caracteriza postergação do pagamento do IRPJ ou da CSLL, o que implica em excluir da exigência a parcela paga posteriormente. (Vinculante, conforme Portaria MF nº 383, de 12/07/2010, DOU de 14/07/2010). Acórdãos Precedentes:
Acórdão nº 103­22679, de 19/10/2006 Acórdão nº 105­16138, de 08/11/2006 Acórdão nº 105­17260, de 15/10/2008 Acórdão nº 107­09299, de 05/03/2008 Acórdão nº 108­09603, de 17/04/2008.
A partir da redação desse enunciado, concluiu a conselheira redatora que “seria válido interpretar que referido enunciado, ao condicionar a exclusão da parcela paga posteriormente à comprovação pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, afasta a possibilidade de se imputar ao Fisco o dever de aferir eventuais compensações futuras dos prejuízos ou das bases negativas disponibilizados com a glosa, cabendo ao sujeito passivo prová­las ao longo do processo administrativo”.
Com o intuito de comprovar essa tese, o voto vencedor passou a analisar os paradigmas que deram ensejo à edição da referida súmula.
No primeiro precedente, Acórdão nº 103-22.679, destacou-se que nas infrações decorrentes da inobservância da limitação na compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas de CSLL de períodos anteriores, a exigência de ofício, impondo a limitação dessa compensação a 30% do lucro real ou base de cálculo – apurados antes dessa compensação –implica o direito à utilização em períodos futuros dos valores não compensados pela trava imposta, ensejando ainda a caracterização de possível postergação do pagamento de IRPJ ou CSLL.
Faço aqui um parêntese: para que essa compensação venha a ocorrer, nos períodos posteriores, necessariamente, o contribuinte deve ter apurado lucro real ou base de cálculo de CSLL positiva e não possuir saldos de prejuízos fiscais ou de base de cálculo negativa de CSLL suficientes para compensar 30% desses resultados. Portanto, além do pagamento de IRPJ e CSLL nesses períodos, essas são condições necessárias para caracterização da postergação.
Retornando ao Acórdão nº 103-22.679, o voto ora em análise destacou que, naquele precedente, concluiu-se que embora a recorrente tivesse arguido em sua peça recursal a ocorrência de postergação, não teria trazido aos autos qualquer documento que permitisse atestar o resultado auferido nos períodos posteriores e de que forma esses afetariam a
exigência em discussão naqueles autos, rejeitando, assim, o pedido do reconhecimento de postergação no caso concreto.
Já no Acórdão nº 105-16.138, a exigência dizia respeito ao ano-calendário de 1995 em que o contribuinte também não obedecera à limitação de 30% na compensação do lucro real com prejuízos fiscais de períodos anteriores. Nesse precedente, o lançamento, realizado em 1999, também não levou em consideração a possível existência de postergação entre o ano de 1995 e o de 1998. Em sede de impugnação/recurso voluntário, o contribuinte anexou aos autos as declarações transmitidas ao Fisco relativas aos anos-calendário de 1996 e 1999. Em relação à primeira, o voto condutor daquele precedente chamou a atenção para o fato de o contribuinte ter apurado valores positivos de lucro real e base de cálculo de CSLL sem ter procedido à compensação de até 30% desses valores com os prejuízos fiscais de períodos anteriores, acabando por recolher, nos períodos posteriores, IRPJ e CSLL que compunham parte da exigência em discussão naqueles autos (relativa ao ano-calendário de 1995), ou seja, o contribuinte houvera comprovado, ao menos parcialmente, a existência de postergação. Em relação aos anos-calendário de 1997 e 1998 o contribuinte não trouxe qualquer prova aos autos, e, embora tivesse juntado aos autos a DIPJ de 2000 (referente ao ano-calendário de 1999), como o lançamento foi realizado naquele próprio ano, não haveria que se falar em postergação. Desse modo, o recurso do contribuinte foi provido parcialmente a fim de se reconhecer a postergação relativa aos pagamentos de IRPJ e CSLL já realizados no ano de 1996.
No Acórdão 105-17.260, por sua vez, mais uma vez a existência de postergação não foi acatada em razão de o contribuinte não ter trazido aos autos “comprovação inequívoca de que o imposto que deixou de ser pago relativamente ao ano-­calendário foi, em período subsequente e antes do lançamento de oficio, devidamente quitado”.
Outro precedente da Súmula Carf nº 36 foi o Acórdão nº 107-09.299, em que, a comprovação da postergação se deu por meio da apresentação de provas trazidas aos autos pelo contribuinte em sede de recurso, ou seja, a autoridade fiscal autuante sequer averiguou a ocorrência de postergação no momento do lançamento. Nesse caso, foi dado provimento ao recurso para excluir do lançamento o valor de CSLL já recolhido em razão da comprovação da postergação.
O último precedente analisado foi o Acórdão nº 108-09.603, em que, após o contribuinte apresentar indícios da postergação, em sede de diligência buscou-se sua comprovação inequívoca. Corroborada a alegação do contribuinte, entendeu-se que, em razão da decadência, o lançamento não mais poderia ser alterado, cancelando-se a exigência em que se aplicariam os efeitos da postergação.
Após a análise dos precedentes que embasaram a edição da Súmula Carf nº 36, concluiu a redatora do voto em análise que os lançamentos foram validados quando o sujeito passivo não fez a prova da postergação, ao passo que, nas hipóteses em que houve evidência suficiente de sua ocorrência, as exigências foram reduzidas proporcionalmente aos recolhimentos já efetuados em razão da postergação.
Desse modo, concluiu-se que o acórdão de recurso voluntário deveria ser reformado parcialmente admitindo-se, na liquidação do acórdão, a imputação proporcional dos tributos postergados, uma vez que o contribuinte, embora não houvesse anexado aos autos as DIPJ dos períodos posteriores, teria elaborado tabelas evidenciando o lucro real apurados nesses períodos e a consequente ocorrência de postergação.
Conforme se observa, nesse julgado a 1ª Turma da CSRF firmou o entendimento de que, ainda que a autoridade fiscal não considere os efeitos da postergação no lançamento, caso o contribuinte instrua seus recursos com a prova de sua ocorrência, a exigência pode ser reformada, não para cancelar o lançamento, e sim para deduzir os valores de IRPJ e de CSLL recolhidos de forma postergada entre o período imediatamente posterior à ocorrência do fato gerador e àquele anterior à formalização do lançamento.
Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] Relator Conselheiro Luis Fabiano Alves Penteado, e voto vencedor de lavra da Conselheira Edeli Pereira Bessa.
[2] Art. 285. A inexatidão quanto ao período de apuração de escrituração de receita, rendimento, custo ou dedução, ou de reconhecimento de lucro, somente constitui fundamento para lançamento de imposto, diferença de imposto ou multa, se dela resultar ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 5º ):
I – a postergação do pagamento do imposto sobre a renda para período de apuração posterior àquele em que seria devido; ou
II – a redução indevida do lucro real em qualquer período de apuração.
§ 1º O lançamento de diferença de imposto com fundamento em inexatidão quanto ao período de apuração de competência de receitas, rendimentos ou deduções será feito pelo valor líquido, depois de compensada a diminuição do imposto lançado em outro período de apuração a que o contribuinte tiver direito em decorrência da aplicação do disposto no § 2º do art. 258 ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 6º ).
§ 2º O disposto nos § 1º e § 2º do art. 258 não exclui a cobrança de multa de mora e de juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido postergação de pagamento do imposto sobre a renda em decorrência de inexatidão quanto ao período de competência ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 7º ).
[3] Art. 60. Quando mais de 2 (duas) soluções distintas para o litígio, que impeçam a formação de maioria, forem propostas ao plenário pelos conselheiros, a decisão será adotada mediante votações sucessivas, das quais serão obrigados a participar todos os conselheiros presentes.
Parágrafo único. O presidente da Turma relacionará todas as soluções propostas em 1ª (primeira) votação, e dessas identificará 2 (duas) das menos votadas para a escolha de 1 (uma) delas, e assim, sucessivamente, até a mais votada.

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