A Vibra Energia (antiga BR Distribuidora) conseguiu uma sentença para impedir a Fazenda do Estado de São Paulo de cobrar a diferença de ICMS-ST (substituição tributária) sobre combustíveis que deixar de ser recolhida durante o período de congelamento da base de cálculo do imposto – ainda vigente. A decisão, dada em ação preventiva, é a primeira que se tem notícia.
O congelamento da base de cálculo do imposto estadual foi adotado no ano passado pelos Estados, após a alta dos preços dos combustíveis. A medida seria uma forma de reduzir os valores nas bombas.
Foi estabelecida inicialmente pelo Convênio ICMS nº 192, publicado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) no dia 29 de outubro de 2021, e prorrogada por outras normas – em todos elas, houve a adesão do Estado de São Paulo.
Na prática, com esse congelamento, foi reduzida a alíquota do ICMS-ST da gasolina no Estado de São Paulo de 25% para 18%. Também passou a ser concedido um desconto de R$ 0,35 por litro de diesel S-10.
A medida começou a vigorar em 1º de novembro de 2021 e, de início, duraria até 31 de julho deste ano. Durante esse período, o ICMS-ST deveria ser calculado com base no preço médio ponderado ao consumidor final (PMPF). Posteriormente, o benefício foi prorrogado até dezembro e ficou estabelecido que a base de cálculo seria a média móvel do PMPF dos últimos 60 meses (artigo 7º da Lei Complementar nº 192, de 2022).
Pelo fato de esse congelamento gerar uma diferença, a Vibra decidiu, preventivamente, recorrer ao Judiciário. Como o ICMS é cobrado no regime de substituição tributária, o valor do imposto a ser pago é presumido no momento da primeira venda da cadeia de consumo e, depois, embutido no preço.
O temor de receber uma cobrança tem como base decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2016, os ministros reconheceram o direito do consumidor de ser ressarcido, caso tenha pago imposto a maior (ADI 2777). Depois disso, a Justiça passou a entender que também cabe a cobrança da Fazenda em caso de imposto pago a menor.
No processo, a Fazenda do Estado de São Paulo argumenta que, a partir do julgamento da ADI 2777 e do RE 593.849/MG, no STF, cabe o direito de cobrar diferença eventualmente existente, caso o preço final seja diverso do presumido, o que ficou consolidado no artigo 66-H, incluído pela Lei nº 17.293, de 2020, na Lei Estadual nº 6.374, de 1989.
Segundo o advogado que assessora a Vibra Energia no processo, Donovan Mazza Lessa, sócio do Maneira Advogados, diante do posicionamento do STF, a empresa achou mais prudente entrar com o mandado de segurança preventivo. “E, no fim, foi uma boa medida porque o Estado apresentou resposta no processo dizendo que poderá cobrar a diferença”, diz.
Na decisão, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, pondera que, embora exista esse julgamento do STF que deu direito ao ressarcimento a quem pagou ICMS-ST a mais, há uma via de mão dupla, que também autoriza a Fazenda a cobrar em caso de pagamento a menor.
O magistrado, contudo, aponta que o Estado de São Paulo aderiu a todos os convênios editados pelo Confaz que permitiram e prorrogaram o congelamento da base de cálculo do ICMS-ST dos combustíveis (Convênio Confaz nº 192/21 e posteriores).
De acordo com o magistrado, as medidas vieram fartamente anunciadas como sendo um esforço do Estado no sentido de colaborar para a redução do preço do combustível na bomba. Porém, acrescenta na decisão, “aparentemente o Estado não está concedendo benefício algum, na medida em que pretende cobrar da impetrante a diferença da qual afirma estar abrindo mão. No dito popular: faz caridade com o chapéu alheio”.
Considerando o volume de combustível vendido pela Vibra e suas filiais no Estado de São Paulo, bem como a diferença de R$ 0,35 por litro, pode-se imaginar, afirma o juiz, o montante que lhe será cobrado em provável execução fiscal.
“Diante dessa cifra, vislumbra-se o valor astronômico que deverá despender para garantir embargos à execução fiscal”, diz o magistrado na decisão. “Além de outras imediatas consequências, como o lançamento do nome no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados], protestos, certidões positivas de débito fiscal e toda sorte de transtornos financeiros e jurídicos”.
Para o advogado Donovan Lessa, que defende a Vibra Energia, ficou demonstrado que o discurso de redução do ICMS-ST não era verdadeiro, pois “a diferença seria cobrada das empresas”.
Carlos Eduardo Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella, considera que o juiz foi preciso. “De fato, o Estado de São Paulo, assim como os demais, concedeu uma espécie de incentivo fiscal objetivando conter a alta dos preços dos combustíveis, não apenas pela alíquota, mas também pela base de cálculo da retenção”, afirma. “Se deu esse incentivo, não faria o menor sentido cobrar isso de volta na ponta. Senão, o Estado daria com uma mão para a refinaria e tomaria com a outra do varejista”, acrescenta.
Essas ações judiciais são necessárias nos Estados em que não houve alteração da lei, como em São Paulo, ao tratar de regimes excepcionais, segundo a advogada Luiza Leite, sócia no Silva Gonzaga Leite Advogados. No Rio de Janeiro, por exemplo, ela afirma que já houve essa mudança e, portanto, não haveria necessidade de ajuizamento de ação.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo não deu retorno até o fechamento da edição.
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