Observância às ‘decisões definitivas’ do Judiciário no Carf

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Fonte da Imagem: JOTA

Aplicação das decisões do STF e do STJ pelo Carf.
Muito se tem discutido sobre a aplicação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo Carf. O tema se torna ainda mais relevante diante da grande quantidade de decisões que o STF vem tomando durante a pandemia. Tais decisões afetam, direta e indiretamente, a jurisdição administrativa em matéria tributária. Em evento recente, o Observatório da Macrolitigância Fiscal abordou mais uma vez o tema sob o aspecto dos precedentes vinculantes perante o CARF.
A relação entre a jurisprudência judicial e a administrativa já foi objeto de muitos artigos e debates ao longo dos anos. Não se trata, como é sabido, de um problema de fácil resolução. No entanto, a análise de disposições que regulam a atividade administrativa julgadora, incluindo o Regimento Interno do Conselho (RICARF), podem esclarecer algumas questões relevantes que, por sua vez, podem indicar a melhor solução de acordo com a legislação vigente e aplicável ao CARF.
Com efeito, o Regimento Interno determina que os membros do CARF não podem deixar de aplicar ou observar “tratado, acordo internacional, lei ou decreto” sob o fundamento de sua inconstitucionalidade. Essa obrigação é de todos conhecida e foi cristalizada na Súmula 02 do CARF, com a seguinte redação:
“O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.”
No entanto, esta posição já consolidada possui exceções previstas no próprio RICARF. Assim é que o parágrafo primeiro do artigo 62 do Regimento prevê os casos nos quais a previsão de observância e aplicação da legislação pode ser afastada. Assim está redigido o dispositivo:
Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal;
Vê-se, pois, que o Regimento … Da mesma forma, o parágrafo segundo do referido artigo também faz menção à “decisões definitivas”, sem mencionar o trânsito em julgado como
requisito para a observância das decisões dos Tribunais Superiores em matéria tributária. Veja-se:
2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF.
Poder-se-ia argumentar que o Regimento Interno, ao fazer uso da expressão “decisão definitiva” pretendia que apenas as decisões com trânsito em julgado fossem consideradas como definitivas. Tal argumento, além de contrariar a literalidade dos dispositivos do RICARF, ignoram que a edição de Portarias pelo Chefe do Ministério a que está vinculado o CARF possui ampla margem de conformação, podendo fazer uso dos institutos processuais e materiais que julgar mais adequados.
Assim é que poderia, sem qualquer óbice legal ou regulamentar, tem usado a expressão “transito em julgado”. Ao não tê-lo feito, nao tê-lo feito, não pode o intérprete pretender conferir à expressão “decisão definitiva” os mesmos efeitos à expressão “transito em julgado”.
Essa compreensão está fundamenta na aplicação do argumento da constância terminológica. Quer isso dizer que o emprego de um mesmo termo pelo legislador pressupõe a manutenção de um mesmo significado. Em outras palavras, se é utilizada uma determinada locução para se referir a uma determinada coisa; em sendo outra a coisa, será outra a palavra.
A contrario sensu, não se deve utilizar uma palavra específica com distintas conotações semânticas. Logo, se existe intenção de empregar uma locução com conotação semântica diversa daquela já utilizada, o legislador tem o dever de explicitar a diferença, pois a presunção é que haja para um termo somente um significado.
Dessa forma, o legislador pode escolher a repetição das mesmas palavras, “ostensivamente para minimizar o risco de ambiguidade”[1] ou, como consequência, utilizar palavras diferentes para significar coisas diferentes. No caso em apreço, não se pode dar o mesmo significado para “decisão definitiva” e “decisão definitiva de mérito” para a locução consolidada, tanto constitucional quanto legalmente, “trânsito em julgado”.
“Assim é que o Poder Executivo, utilizando-se de sua competência regulamentadora, emprega um termo ou expressão sempre com o mesmo significado (especialmente no interior de um mesmo documento normativo); e, reciprocamente, quando o legislador emprega termos ou expressões diversas, estes não podem ter o mesmo significado (especialmente no interior de um mesmo documento normativo).” – GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 299
Tal argumento parte do pressuposto de que o legislador emprega termos iguais com significados iguais e termos diferentes com significados diferentes. Se o legislador empregou termos diferentes, quis atribuir significados diferentes, e, consequentemente, se empregou termos iguais, pretendeu atribuir significados iguais.
De forma bastante objetiva: decisão definitiva e decisão definitiva de mérito não podem ser, sob pena de violação às regras básicas da interpretação e argumentação jurídicas, compreendidas como “trânsito em julgado”.
Não bastassem tais razões de cunho teórico, o próprio ordenamento jurídico indica a solução para o problema. Com efeito, o Decreto n. 2.346, de 10 de outubro de 1997, ainda em vigor, determina que as decisões que fixem “e forma inequívoca e definitiva” a interpretação do texto constitucional. Veja-se:
Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.
Note-se que o Decreto, que “consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais”, não exige o trânsito em julgado para a vinculação da Administração pública às decisões do STF. Assim como o RICARF, também o Decreto não faz qualquer menção ao trânsito em julgado como requisito essencial para a observância das decisões pela Administração Pública, que, por razões óbvias, compreende também a faceta julgadora do Poder Executivo.
Nada obstante esse arcabouço normativo, em julgado recente, a Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF decidiu pela inaplicabilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, nos seguintes termos:

BASE DE CÁLCULO DO PIS/PASEP. EXCLUSÃO DO ICMS PRÓPRIO.
Inexistente julgamento do STF, com trânsito em julgado, deve prevalecer ainda o julgado pelo STJ, em sede de recurso repetitivo.
A parcela relativa ao ICMS, devido sobre operações de venda na condição de contribuinte, inclui-se na base de cálculo das contribuições para o PIS/Pasep e da COFINS.
O voto vencedor, portanto, cria um requisito não previsto na legislação para a aplicação das decisões do Supremo Tribunal Federal aos processos administrativos. Em virtude da inafastabilidade da apreciação judicial, tais decisões incentivam e estimulam a judicializacao, empurrando ainda mais contribuintes para o Poder Judiciário, em questões para as quais a resposta do Supremo Tribunal Federal não pode ser mais, em seu mérito, alterada.
A Relatora, Conselheira Vanessa Cecconello, ficou vencida. No entanto, deixou consignada a posição de que a decisão do Supremo Tribunal Federal, uma vez que não poderá ser modificada em sede de embargos de declaração, vincula o Conselho Administrativo. Vejam-se as palavras da Conselheira:
Sabe-se que o acórdão proferido no RE 574.706/PR ainda não transitou em julgado, estando pendente de análise os embargos de declaração opostos pela Procuradoria da Fazenda Nacional, buscando esclarecer qual o ICMS a ser descontado da base de cálculo (se aquele destacado na nota fiscal ou o efetivamente recolhido).
No entanto, verifica-se que o julgamento dos embargos não afastará a tese fixada no julgado, que é a exclusão do ICMS da base das contribuições sociais para o PIS e a COFINS, tendo reflexo, sim, na apuração do montante a ser excluído. A necessária aplicação da tese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS vem confirmada, ainda, pela disposição contida na IN nº 1.911/20019, que regulamentou o PIS e a COFINS (…).
Como a análise da legislação aplicável demonstra, a posição defendida pela Conselheira Vanessa Cecconello está correta. A decisão sobre o mérito da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições não poderá ser alterada pelo julgamento dos embargos de declaração.
A decisão do Supremo Tribunal Federal é definitiva e não poderá, salvo em novo julgamento, ser alterada. A esta decisão, portanto, o CARF está vinculado e submetido.

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