Voto de qualidade é extinto no Carf

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Fonte da Imagem: Artesp

Foi publicado nesta terça-feira (14/4), em uma edição extra do Diário Oficial da União, dispositivo que extingue o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Com a alteração, em caso de empate no julgamento, o processo será resolvido de forma favorável aos contribuintes.
O fim do voto de qualidade foi incluído no Congresso à MP 899/2020, conhecida como MP do Contribuinte Legal. Havia a expectativa de parte dos advogados, conselheiros e procuradores da Fazenda Nacional pelo veto do dispositivo. Entretanto, nesta terça-feira (14/4), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) manteve o artigo ao sancionar a Lei do Contribuinte Legal, que extingue a metodologia. O chefe do Executivo tinha até a próxima quarta-feira (15/4) para sancionar o texto aprovado no Congresso.
No Carf, os julgamentos são realizados por turmas paritárias, sendo metade dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional e a outra metade julgadores indicados por confederações do setor produtivo. Antes da Lei do Contribuinte Legal, os casos empatados no Carf eram decididos pelo voto de qualidade, ou seja, o presidente da da turma de julgamento, sempre representante da Receita Federal, proferia o voto de minerva.

Executivo e confederações
O veto ao dispositivo que extingue o voto de qualidade no Carf foi defendido por membros do governo, como o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Eles apontaram, entre outros pontos, que a matéria era alheia à MP 899/2020, que tratava da instituição da transação tributária. Moro ainda reforçou que o fim do voto de qualidade poderia prejudicar os processos envolvendo a Operação Lava Jato.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também se posicionou de forma contrária ao fim do voto de qualidade e alegou, logo após a votação do Congresso, que o potencial de redução da arrecadação é “elevadíssimo”. Segundo a PGFN, de 2016 a 2019 aproximadamente R$ 89 bilhões de crédito tributário foram mantidos pelo voto de qualidade, apenas nas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais.
Já as confederações representantes do setor produtivo enviaram, no dia 7 de abril, uma carta ao ministro chefe da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, pedindo para que presidente Jair Bolsonaro não vetasse a alteração legislativa.
Entre as confederações que assinam a carta estão aquelas que indicam conselheiros para a formação das turmas de julgamento, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC).
De acordo com a carta, a extinção do voto de qualidade atende ao previsto no Código Tributário Nacional (CTN), que determina que a interpretação da lei tributária deve ser a mais favorável ao contribuinte. No texto, as confederações defendem que a “extinção do voto de qualidade é a medida pautada pela justiça fiscal e em perfeita sintonia com as normas vigentes, proporcionando maior segurança jurídica para as partes envolvidas na relação jurídico-tributária”.
As confederações destacam ainda que o contribuinte é a “parte mais fraca da relação tributária, se confrontado ao Fisco”. Elas defendem que, embora o percentual de decisões por voto de qualidade seja baixo, a maioria delas diz respeito a processos de matérias tributárias relevantes como, por exemplo, ágio transferido e ágio interno, lucros no exterior e acordos de bitributação, multa isolada, juros sobre capital próprio e Participação nos Lucros ou Resultados (PLR).

Advogados e conselheiros
A alteração divide opiniões entre advogados que frequentam o Carf e conselheiros do tribunal. Na análise do advogado João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho, o fim do voto de qualidade corrige uma distorção contra os contribuintes nos julgamentos do Carf. “Desde 2015 pedimos uma alteração nas diretrizes do tribunal. Houve um incremento absurdo do uso do voto de qualidade como argumento de autoridade, ou seja, prevalecia o posicionamento do fisco, e, não raras vezes, sem base legal”.
O advogado reforça ainda que não existe qualquer correlação de impunidade dos crimes no âmbito da Lava Jato e a utilização do voto de qualidade, argumento utilizado pelo ministro Sérgio Moro para a defesa da manutenção do voto de qualidade. “Ninguém está enfraquecendo a eficácia de punibilidade tanto na esfera penal quanto na tributária dos crimes cometidos no âmbito da Lava Jato por conta da revogação do voto de qualidade”.
Roberto Duque Estrada, tributarista e sócio do Brigagão Duque Estrada Advogados, defende que o instituto do desempate foi usado de forma equivocada. “O que não dava era para juntar os conselheiros da Fazenda e destruírem as teses que existiam a favor dos contribuintes apenas para aumentar a arrecadação”, comenta. Para ele, com a alteração legislativa, a qualidade dos julgamentos e até mesmo das autuações fiscais vai melhorar. “Vai ter mais qualidade no voto do que votos de qualidade porque os conselheiros fazendários terão que ser mais convincentes”, complementa.
Para o tributarista Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon, o fim do voto de qualidade é uma vitória para o contribuinte. Para ele, o nível de debate das turmas deve aumentar, o que deve contribuir para a maior qualidade dos julgamentos. “Nós vamos deixar de ter aquele chamado voto de bancada, em que contribuinte sempre vota com contribuinte e fazendário com fazendário. Mas os julgamentos terão mais discussão, mais rigor e mais detalhes”, defende.
O conselheiro Leonardo Branco critica a forma como a voto de qualidade foi extinto. “A sua extinção foi feita de maneira açodada e pontual, e no meio de uma crise sem precedentes, é o típico caso do que o Supremo Tribunal Federal chama de contrabando legislativo”. Para ele, o fisco continuará sem recorrer ao Judiciário, e os efeitos da medida, apesar de não aplicáveis sobre julgamentos já concluídos, são imprevisíveis na prática, e dá como exemplo o caso de processos em fase de embargos de declaração.
Segundo o conselheiro Pedro Lima, há outras soluções para resolver um possível abuso do voto de qualidade na Câmara Superior. Ele cita, por exemplo, a possibilidade de um recurso direcionado ao Ministério da Economia, que poderia avaliar aspectos da equidade no processo e julgar, inclusive, recursos de decisões do Carf. “A regulamentação do recurso à instância administrativa especial já é prevista nos artigos 26, 39, 40 e 41 do Decreto 70.235/72”, afirma.
Como conselheiro, Lima diz que deverá obedecer ao novo dispositivo. Entretanto, ele avalia que o voto de qualidade, em sua totalidade, não é um problema no Carf. “Aproximadamente 94,7% de todos os casos julgados no Carf, em 2019, foram julgados por unanimidade ou maioria. O Carf nunca foi tão unânime e consensual como nesses últimos anos. Estava em sua melhor fase”, diz.

Entidades
O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) divulgou uma nota manifestando indignação quanto à sanção presidencial do fim do voto de qualidade. Na análise do sindicato, o presidente Jair Bolsonaro “desdenhou as orientações do Ministério da Justiça, do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da República, que o alertaram do perigo e da gravidade dessa conduta”.
O texto diz ainda que a alteração implicará em retrocesso no combate à sonegação de impostos e à corrupção. O sindicato anuncia ainda que “empreenderá todos os esforços possíveis para mobilizar a sociedade civil” e que fará denúncia da situação a organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi).
A Associação dos Conselheiros Representantes do Contribuintes no Carf (Aconcarf) afirmou que não vai se pronunciar em relação à alteração legislativa. “Por entender que enquanto julgadores nos cabe apenas acatar as normas impostas. Cabe ao parlamento e ao governo federal decidir essa demanda”, explica Wesley Rocha, presidente da associação. O presidente ressalta que os julgadores são imparciais e seguem a lei. “Todos os votos devem ser fundamentados, embasados na legislação e com cumprimento da norma interna do Ricarf [Regimento Interno do Carf] , bem como do código de ética do tribunal”, complementa.

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