Uma liminar concedida por um juiz da 21ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal nesta quinta-feira permite que uma empresa adie por três meses o pagamento de tributos federais em razão da crise gerada pelo coronavírus. De acordo com a decisão, o pagamento desses tributos poderia colocar em risco a manutenção de mais de cinco mil postos de trabalho.
A decisão, que vale apenas para a companhia que propôs a ação judicial, atende a uma possibilidade que está sendo discutida no Ministério da Economia. Com a crise a pasta permitiu que o pagamento do Simples Nacional seja adiado em três meses, e estuda ampliar a possibilidade para outros tributos federais.
A decisão do juiz Rolando Valcir Spanholo foi proferida em favor da empresa brasiliense Services Assessoria e Cobranças – Eireli, que pediu para adiar em três meses o pagamento do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins “como forma de garantir a manutenção da sua própria existência e dos postos de trabalho dos seus mais de cinco mil colaboradores, durante o pico local da pandemia mundial provocada pela Covid-19”.
O juiz acolheu os argumentos da empresa. Para Spanholo, em outro momento não seria possível, segundo o Código Tributário Nacional (CTN), adiar o pagamento de tributos, mas atualmente o país e o mundo se encontram em uma situação excepcional. “Acontece que, diante do excepcional momento por que passa a vida e a economia do povo brasileiro, a demanda aqui proposta refoge de uma pretensão meramente de Direito Tributário. O cerne da controvérsia vai muito além, ele transita intensamente por toda a seara do Direito Público e sofre forte carga de influência da realidade momentânea das ruas”, diz o magistrado na decisão.
“E, ao tomar como base as noções gerais do Direito Público, aflora a certeza de que, ao menos neste juízo de prelibação, merece ser acolhida a pretensão liminar apresentada. De início, porque ninguém, no juízo da sã consciência, teria coragem para negar que o mundo está atravessando o seu pior momento desde o final da Segunda Guerra. Infelizmente, a pintura fática diária tem se revelado assustadora, desnudando quadros de horror e de incapacidade humana jamais vistos e/ou cogitados seriamente no chamado ‘período moderno’ em que vivemos. Depois, porque, de fato, também não se pode negar que a origem da limitação financeira narrada pela parte autora está calcada em atos e ações deflagrados pela própria Administração Pública (quarentena horizontal)”, continua o juiz.
Spanholo destaca que, até poucos dias atrás, ninguém poderia cogitar que a força econômica do Brasil e do mundo “poderia ser paralisada no nível que está hoje”, e que se trata de situação inédita. “Não constitui nenhuma heresia jurídica reconhecer que a situação enfrentada era imprevisível e inevitável para a parte autora. Sempre lembrando que ela não deu causa ao indesejado evento e muito menos teria condições de obstar os efeitos da quarentena horizontal imposta por motivos sanitários em âmbito nacional”, argumenta o juiz.
E continua: “Não precisa ser um especialista para antever que, no Brasil, talvez o grande impacto do coronavírus dar-se-á no campo socioeconômico. Com a quarentena horizontal imposta, a economia não gira. Não girando a economia, não há receita. Sem receita, há fechamento em massa de empresas e dos postos de trabalho. Sem salário, milhões terão dificuldades para manter as condições mínimas dos respectivos núcleos familiares. E esse caótico quadro socioeconômico servirá de terreno fértil para todo o tipo de mazelas sociais (aumento na taxa de criminalidade, suicídios etc.)”.
STF
O juiz cita as decisões recentes do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em ações cíveis originárias (ACOs) propostas por estados. Nos últimos dias, Moraes deferiu liminar para suspender por 180 dias o pagamento de parcelas mensais de dívidas dos estados com a União. Os estados beneficiados foram, até o momento, São Paulo, Bahia e Paraná. Os estados da Paraíba e Pernambuco também ajuizaram ações com pedidos semelhantes, mas ainda não houve decisão.
“Em outras palavras, a interpretação da nossa Corte Suprema sinaliza no sentindo de que, neste momento de incertezas e de forte abalo socioeconômico, as atenções de todos devem estar voltadas à preservação das condições mínimas de bem estar do ser humano. E nisso também se encaixa a preservação de postos de trabalho e também da própria existência das nossas empresas”, conclui o juiz.
O magistrado também intima, de ofício, a empresa a fazer aditamento à petição inicial a fim de pedir também a suspensão do pagamento, pelo mesmo período de três meses, de tributos estaduais. Na visão do juiz, “não se pode atribuir apenas à União o ônus de arcar com os efeitos práticos de ações que, na maioria das vezes, são os Estados/DF e Municípios que estão colocando em prática, dentro do juízo de valor e na magnitude que cada líder local julga ser o mais adequado (não raras vezes, ignorando a noção de sistema, como a hipótese aqui examinada)”.
A decisão só vale para a empresa autora da ação, mas abre precedente para outras empresas pedirem medidas semelhantes no âmbito da Justiça Federal do Distrito Federal.
Outras ações semelhantes
A possibilidade de adiamento no pagamento de tributos federais, segundo fontes consultadas pelo JOTA, é estudada pelo Ministério da Economia. Tributaristas acreditam que liminares como a proferida nesta quinta-feira podem acelerar ou pressionar a pasta a tomar uma decisão.
“A liminar é muito importante porque, na minha leitura, se o governo recuar e não propor a medida, percebe-se que o Judiciário tem acolhido. O importante é que sensibilize o governo a ser célere nessa medida que tem sido esperada por todos”, afirma o advogado Fábio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
A ação analisada pela 21ª Vara da Justiça Federal do Distrito não é a primeira do tipo proposta no país. Pelo menos outros dois processos semelhantes estão em tramitação, porém tiveram liminares negadas.
Um dos casos envolve as companhias Viação Itapemirim e a Viação Caiçara, em recuperação judicial, que atuam no transporte intermunicipal de passageiros. As empresas alegam a paralisação de suas atividades, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O processo foi analisado no dia 18 de março pela 25ª Vara Cível Federal de São Paulo. Para o magistrado, a suspensão no pagamento só pode ser feita caso uma lei preveja a moratória. “Não cabe ao Poder Judiciário a substituição dos demais Poderes da República na busca de soluções, as quais demandam a adoção de Políticas Públicas”, afirmou o juiz Djalma Moreira Gomes.
Decisão semelhante veio do Rio de Janeiro. Ao acionar a Justiça, um grupo de 18 companhias alegou que o Decreto Legislativo 06/2020 prevê a possibilidade de suspensão dos tributos, porém teve liminar negada pela 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro. O juiz Fabrício Fernandes de Castro, porém, entendeu que a norma não pode ser aplicada ao momento atual.
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