Discussão envolvia alcance de ato administrativo em relação à lei. Placar ficou em 4×1 a favor de empresa.
Em julgamento realizado na última terça-feira (4/2), a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Autolatina, empresa do grupo Ford, pode compensar Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pago sobre lucros distribuídos a acionistas no Brasil e no exterior, sendo que a apuração dos tributos ocorreu em períodos distintos. O julgamento do REsp 1.628.374/SP tinha sido interrompido no dia 24 de setembro do ano passado por um pedido de vistas do ministro Benedito Gonçalves. Por um placar de quatro votos a um a empresa saiu vitoriosa.
A empresa operacional da Ford no Brasil apurou lucros em 1988 e 1989 e, ao distribuí-los para a holding Autolatina em 1990, reteve o Imposto de Renda. Na sequência, ainda em 1990, a Autolatina remeteu lucros para suas controladoras, também com incidência do IRRF.
Como a Ford havia pago os tributos incidentes sobre os lucros distribuídos na primeira operação, em 1990 a holding compensou a quantia recolhida pela Ford do total devido pela Autolatina. Em valores históricos, o grupo econômico tentou compensar NCZ$ 344,8 milhões (cruzados novos). O valor do processo atualizado até setembro de 2019 é de R$ 293.447,57.
Na época, o IRRF era regido pelo decreto-lei 1.790/1980. De acordo com o relator do caso, ministro Gurgel de Faria, o decreto-lei apenas previa a compensação, e a IN 87/1980 passou a autorizar que a compensação fosse feita em exercícios posteriores àquele em que o lucro foi apurado.
Logo em seguida, a lei que disciplina as compensações do imposto passou a ser a 7.713/1988, a partir da qual a Receita Federal editou a IN 139/1989. A nova IN não mais permitia que a compensação fosse realizada nos anos seguintes à apuração do lucro. Assim, para o relator, ministro Gurgel de Faria, a compensação da Autolatina seria indevida e, no julgamento de setembro, ele optou por não dar provimento ao recurso.
A ministra Regina Helena Costa abriu divergência ao ressaltar que a competência para deliberar sobre a compensação é exclusiva da lei, direito que não pode ser limitado por atos administrativos – a IN 139/89 tinha proibido a apuração em exercícios diferentes. Ela foi acompanhada pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Divergência
Em setembro do ano passado o julgamento tinha sido suspenso com o placar de dois votos a um para permitir a compensação. Faltavam os votos do ministro Benedito Gonçalves, que tinha pedido vistas, e do ministro Sérgio Kukina. Na última terça os dois seguiram o raciocínio da ministra Regina e deram provimento ao recurso da contribuinte.
“A lei 7.713/88 não revogou o decreto lei 1.790/80, de forma que permaneceu o direito à compensação entre períodos diversos. A Receita Federal, pretendendo regulamentar a lei 7.713/88 editou a normativa 139/1989 vedando a compensação entre exercícios diversos”, explicou o ministro Benedito Gonçalves durante a leitura do voto nessa terça.
“Neste contexto, como ambas as formas de compensação coexistiam sem conflito, nota-se que a normativa 139, ao suprimir a compensação entre exercícios diversos, criou restrição não prevista no decreto lei 1.790, desbordando os limites do ato regulamentar, razão porque entendo indevida a restrição imposta pelo fisco à compensação pretendida. Acompanho a divergência”, complementou o magistrado.
Apesar de os ministros terem se debruçado sobre legislação das décadas de 1980 e 1990, a discussão teórica sobre o alcance de instruções normativas em relação ao que diz a lei pode influenciar outros julgamentos tributários do tribunal.
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