O setor de construção civil tem conseguido diminuir os valores de Imposto sobre Serviços (ISS) de empreendimentos imobiliários em diversos municípios do Estado de São Paulo, entre eles a capital, Campinas, Ribeirão Preto e Sorocaba. O Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) tem ampla jurisprudência contrária à cobrança de valor fixo por metro quadrado – por meio da chamada pauta fiscal mínima.
A cobrança é feita no fim da obra às construtoras, que são responsáveis por reter os valores de ISS. Os municípios estabelecem um valor mínimo para os serviços executados em um metro quadrado e sobre ele incide o imposto. Em São Paulo, o valor é de R$ 905,55 para um apartamento residencial médio, segundo a Portaria nº 209, editada neste ano pela Secretaria Municipal da Fazenda.
Caso esse construtor aprove, execute e averbe uma construção de mil metros quadrados, automaticamente a municipalidade presumirá terem sido tomados R$ 905,55 mil em serviços. Sobre esse total, incidiria uma alíquota de 5%, totalizando R$ 45 mil de ISS.
Esses valores, porém, segundo tributaristas, nunca refletem o efetivo valor dos serviços de uma obra, que em geral é menor. “Ainda que o construtor comprove, por meio de notas fiscais e/ou outros documentos ter gasto apenas R$ 500 mil em serviços, prevalecerá para a prefeitura o valor arbitrado em pauta”, diz Bruno Sigaud, do Sigaud, Marins & Faiwichow Advogados.
Essa forma de apuração, afirma Eduardo Zaidan, vice-presidente de economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP), não condiz com a realidade do setor. “O imposto a ser recolhido deve levar em consideração o serviço empregado. E cada obra é diferente da outra, uma emprega mais tecnologia, outra mais mão de obra, não dá para tabelar”, diz.
Para ele, essa média de valor dos serviços só poderia ser aplicada nos casos em que não há uma contabilidade organizada – em uma construção particular, por exemplo. A Prefeitura de São Paulo, acrescenta, tem usado essas tabelas para o setor desde 1983 e de lá para cá muita coisa mudou na construção civil. “Com toda a tecnologia atual e a nota fiscal eletrônica, existem meios mais seguros de apurar o valor do serviço”, diz.
Em levantamento realizado pelo escritório Sigaud, Marins & Faiwichow Advogados ficou constatado que os três colegiados do TJ-SP com competência para julgar o assunto – 14ª, 15ª e 18ª Câmara de Direito Público – são unânimes quanto à impossibilidade de os municípios utilizarem a pauta mínima de valores. “Os julgados são recentíssimos e refletem a posição consolidada do tribunal”, afirma Sigaud.
Os Fiscos municipais têm se baseado em leis locais para aplicar a cobrança. Em São Paulo, por exemplo, está fundamentada no parágrafo 3º do artigo 14 da Lei nº 13.701, de 2003, do município. O dispositivo estabelece que “o preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico em pauta que reflita o corrente na praça”.
Porém, as construtoras têm recorrido à Justiça para afastar o pagamento. Nos processos, argumentam que o artigo 7º da Lei Complementar nº 116, de 2003, estabelece que a base de cálculo do imposto municipal é o efetivo preço do serviço.
Em um julgamento no início deste mês, os desembargadores da 15ª Câmara destacaram que o critério da pauta fiscal “vem sendo sistematicamente repelido por esta Câmara e por esta Corte”. Eles citaram diversos precedentes neste sentido ao analisar um recurso de um empreendimento imobiliário contra a Prefeitura de São Paulo.
Segundo a decisão, “descabe outra conclusão senão a de que houve inovação na base de cálculo do ISS, não autorizada por lei, tornando nulos os lançamentos em questão”. A prefeitura, no caso, estava condicionando a concessão do Habite-se ao pagamento do ISS com a base de cálculo arbitrada, o que foi vedado pela decisão (agravo de instrumento nº 2086660- 02.2019.8.26.0000).
Em seu voto, o relator, desembargador Fortes Muniz, ressalta que os municípios violam o artigo 148 do Código Tributário Nacional (CTN) ao exigir o ISS com base em pauta fiscal automática. O dispositivo somente permite o arbitramento de base de cálculo de tributos nos casos em que “sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo”.
A discussão é relevante, segundo o advogado Bruno Sigaud, porque a utilização de pauta fiscal para fins do ISS é uma
prática que se tornou comum para os municípios, mesmo existindo jurisprudência consolidada em sentido contrário. “E os valores, na maioria dos casos, são significativos”, diz.
O mérito da questão envolvendo o ISS ainda não chegou a ser discutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas já existem, afirma Sigaud, julgados semelhantes com a mesma argumentação, que tratam de pauta fiscal de ICMS, favoráveis aos contribuintes. O entendimento adotado pelos ministros gerou a Súmula nº 431, que considera “ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”.
O advogado Pedro Moreira, do CM Advogados, acrescenta que o STJ tem negado a subida de recursos da Prefeitura de São Paulo sobre o tema. Há decisões monocráticas recentes do presidente da Corte, ministro João Otávio de Noronha (agravo em recurso especial nº 1515045), e do ministro Francisco Falcão (agravo em recurso especial nº 1357041). “Os ministros têm entendido que a matéria não está sujeita à revisão pelo tribunal superior, havendo uma tendência de prevalecer o entendimento favorável do TJ-SP”, diz.
Para Moreira, a utilização da pauta fiscal somente será legítima caso o contribuinte possua documentos inidôneos e/ou os seus registros contábeis não sejam suficientes para se apurar o real valor do serviço. “O que deve ser aferido
necessariamente em processo administrativo próprio, com o direito do contraditório e ampla defesa.”
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