Retomamos esta coluna semanal para mais uma vez nos debruçarmos sobre um tema afeto à 3ª Seção de julgamento do Carf e que, de longa data, tem ocupado espaço nos julgamentos daquele tribunal administrativo, qual seja, o creditamento de PIS/Cofins na hipótese de aquisição de insumos empregados na fase agrícola de uma determinada atividade industrial.
Como é sabido, o regime não cumulativo para PIS/Cofins adveio com a publicação das leis 10.637/02 e 10.833/03, concedendo ao contribuinte, em regra, créditos decorrentes da aquisição de bens e/ou serviços para a consecução de suas atividades empresariais.
Após o advento de tais leis, a questão que se apresentou controversa foi a definição do termo “insumo”, para fins de aproveitamento do aludido crédito, na medida em que o legislador não estabeleceu uma definição expressa[1]. Diante deste quadro normativo, a União passou a defender um conceito mais restrito de insumo, atrelado à estrutura do IPI, e que prevê como crédito a matéria-prima, o produto intermediário e o material de embalagem que são empregados e consumidos no processo produtivo. Em contrapartida, de forma mais elástica, os contribuintes defendiam que o conceito de insumo se aproximava daquele de despesas dedutíveis, empregados na apuração do IRPJ.
Por seu turno, de forma intermediária à posição proposta pelo Fisco e pelos contribuintes, o Carf consolidou entendimento no sentido de inexistir um conceito prévio, geral e abstrato de insumo, o qual deveria ser delimitado casuisticamente, a depender da função do gasto no exercício da atividade empresarial desempenhada pelo contribuinte.
Um exemplo que bem ilustra esse posicionamento do tribunal é aquele decorrente da discussão acerca da possibilidade de creditamento de PIS/Cofins na aquisição de uniformes e indumentárias de empregados. Segundo consolidado no Carf, em se tratando de exigência legal[2], o creditamento seria válido (por exemplo, Acórdão 201-81.726[3]), mas em caso de mera liberalidade do contribuinte, o crédito seria vedado (por exemplo, Acórdão 3102-001.586[4]).
Partindo desta posição intermediária e voltando-se de forma mais específica para as agroindústrias, o Carf consolidou entendimento no sentido de que também seria admissível de creditamento os insumos adquiridos e empregados na fase agrícola da produção, e não apenas aqueles empregados na fase industrial, conforme se observa de várias decisões das diferentes turmas ordinárias daquele tribunal, por exemplo, acórdãos 3302-005.844, 3201-004.229 e 3402-004.076. Neste último precedente, afeto ao setor sucroalcooleiro, foram inclusive admitidos os créditos tomados na aquisição de produtos para laboratórios industrial e microbiológicos, responsáveis pela realização de testes para a verificação da qualidade do solo, melhor momento de cultivo e colheita, teor de sacarose e outras atividades afins.
Acontece que, no final de 2017, alguns precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF)[5] começaram a sinalizar uma mudança de entendimento para a questão, no sentido de restringir tal creditamento na hipótese da fase agrícola. É o que se observa, por exemplo, do Acórdão 9303-005.806, julgado sob o rito de repetitividade e cujo voto vencedor assim prescreveu:
“(…) As usinas de açúcar e álcool, como se sabe, são estabelecimentos agroindustriais que produzem, a partir da cana, o açúcar, o melaço, a aguardente e o álcool. Além de sua fabricação própria, costumam adquirir a cana de outros estabelecimentos produtores. Pelos motivos aqui adotados (existência autônoma da atividade industrial propriamente dita), a aquisição da cana gera, sim, o direito à apropriação dos créditos correspondentes, não, contudo, os gastos realizados, pela própria Recorrente, no plantio e colheita da cana de açúcar. Pode-se até achar inconveniente, mas é assim que a lei é”.
Acontece que, logo após essa aparente guinada de posicionamento por parte do Carf, o STJ finalmente consolidou o entendimento para questão ao julgar, sob o rito de recursos repetitivos, o REsp 1.221.170, oportunidade em que decidiu que as despesas essenciais e relevantes para a atividade empresarial conformariam o conceito de insumo aqui debatido[6].
Após o advento de tal precedente vinculante do STJ, novos casos tratando desta matéria foram submetidos ao julgamento da CSRF, oportunidade em que aquele órgão julgador, se curvando ao entendimento exarado pelo tribunal superior, no citado leading case, admitiu o creditamento de PIS/Cofins para insumos empregados na fase agrícola de uma determinada agroindústria, conforme se observa do Acórdão 9303-007.864[7]. Neste caso em específico, o contribuinte, que se dedica ao ramo de produção de celulose, saiu vitorioso, por maioria de votos[8], para ver reconhecido o seu direito ao crédito na aquisição de insumos empregados na atividade de plantio de florestas, com especial destaque para itens como adubamento de solo, irrigação e controle de pragas.
Não obstante, outro ponto relevante neste tipo de discussão no Carf diz respeito ao ônus probatório. Aquele tribunal tem majoritariamente entendido que, em se tratando de auto de infração, o ônus de comprovar a injuridicidade dos créditos tomados compete à fiscalização. Todavia, em se tratando de pedidos de compensação, tal encargo fica à mercê do contribuinte, exatamente como estabelece o artigo 373, inciso I do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 15 do mesmo codex[9].
Por fim, o que se observa da presente discussão é que, apesar da consolidação do entendimento veiculado pelo STJ em caráter vinculante, a delimitação do conceito de insumo no âmbito dos processos que tramitam no Carf continuará sendo casuística — ainda que com as balizas aqui mencionadas —, dependendo, portanto, de efetiva prova da relação entre o bem ou serviço adquirido e sua essencialidade e relevância no processo produtivo do contribuinte.
[1] E nem poderia ser diferente, já que é a particularidade do caso em concreto que, em última análise, delimita a amplitude do conceito de insumo para uma específica atividade empresarial. Nesse sentido: RIBEIRO, Diego Diniz. Créditos de PIS e COFINS: uma análise jusfilosófica. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 116, p. 137-150, 2014.
[2] Em razão, por exemplo, da exigência decorrente de uma regra sanitária ou mesmo por conta de disposições trabalhistas.
[3] “(…). COFINS. CRÉDITO. INDUMENTÁRIA. INDÚSTRIA AVÍCOLA.
A indumentária de uso obrigatório na indústria de processamento de carnes é insumo indispensável ao processo produtivo e, como tal, gera direito a crédito do PIS/Cofins. (…).”
[4] “(…). COFINS NÃO CUMULATIVA. DESPESAS COM BENS E SERVIÇOS NÃO INCLUÍDOS NO CONCEITO DE INSUMOS DO ART. 3º DA LEI Nº 10.833/03. IMPOSSIBILIDADE DE CRÉDITO.
As despesas com alimentação dos empregados, fornecimento de cesta básica, material de consumo, material de expediente, material de escritório, pessoal de serviço administrativo, serviço de segurança e vigilância, material de limpeza, manutenção de equipamentos de informática, serviços de consultoria, serviços de advocacia, vale transporte, serviços de transporte de funcionários, uniformes, material de segurança, planos de saúde e despesas de viagens a que se refere às glosas em discussão, correspondem a despesas de caráter geral voltadas para a administração da empresa e despesas referentes a benefícios aos empregados e não guardam relação direta com a prestação de serviço realizada.
As despesas glosadas não têm nenhum efeito direto sobre a prestação de serviços de limpeza e conservação realizados pela Recorrente, visto tratarem-se atividades auxiliares ao funcionamento da empresa e portanto, não pode ser utilizado para gerar os créditos do PIS e da COFINS não cumulativos. (…).”
[5] Nesse sentido destaca-se o acórdão n. 9303-006.344.
[6] Este é o teor do voto da Ministra Regina Helena Costa, cujo trecho pertinente se transcreve abaixo:
“(…). Essencialidade – considera-se o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência;
Relevância – considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço. (…).”
[7] “(…). CRÉDITO. ATIVIDADE FLORESTAL COMO PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO PRODUTIVO. INSUMOS DE INSUMOS.
Afinando-se ao conceito de insumos exposto pela Nota SEI PGFN MF 63/18, bem como considerando a atividade florestal como parte integrante do processo produtivo, ao aplicar o Teste de Subtração, é de se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre: (i) os dispêndios com bens e serviços contratados a terceiros para o plantio clonagem, pesquisa, tratamento do solo, adubação, irrigação, controle de pragas, combate a incêndio, corte, colheita, transporte das toras de madeira, utilizados antes do tratamento físico-químico da madeira, não caracterizados como despesas relacionadas com bens do ativo permanente e que possuem classificação jurídica e contábil como custos de produção, entre eles, serviços florestais de silvicultura/trato cultural das florestas próprias, serviços de viveiros, serviço florestal de colheita, serviços topográficos, controle de qualidade de madeiras, monitoramento florestal, irrigação, terraplenagem; (ii) aluguéis de guindaste operado para manejo de insumos; (iii) transporte de madeira entre a floresta e a fábrica; (iv) lubrificantes, consumidos nos equipamentos, mesmo durante a etapa agrícola; (v) gastos com correias de amarração, estrados, paletes e caixas de papelão, desde que não se configurem em itens imobilizados e (vi) combustíveis empregados no processo produtivo. (…).”
[8] A ata do julgamento é insuficiente para retratar os motivos para a discordância de parte do colegiado.
[9] Neste diapasão convém destacar o seguinte trecho do acórdão 3402-002.881:
“(…) É certo que a distribuição do ônus da prova no âmbito do processo administrativo deve ser efetuada levando-se em conta a iniciativa do processo. Em processos de repetição de indébito ou ressarcimento, onde a iniciativa do pedido cabe ao contribuinte, é óbvio que o ônus de provar o direito de crédito oposto à Administração cabe ao contribuinte. Já nos processos que versam sobre a determinação e exigência de créditos tributários (auto de infração), tratando-se de processos de iniciativa do fisco, o ônus dos fatos jurígenos da pretensão fazendária cabe à fiscalização (art. 142 do CTN e art. 9º do PAF)”.
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