Decisões judiciais impedem Receita de reter mercadorias importadas

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SÃO PAULO – A Receita Federal não pode reter mercadorias importadas para exigir a correção de erro na classificação fiscal e o pagamento de diferenças de tributos. Este é o entendimento que predomina na segunda instância da Justiça Federal e nos tribunais superiores, de acordo com levantamento realizado pelo escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados.
A maioria das decisões, afirma o advogado Augusto Fauvel de Moraes, considera a retenção indevida. Os julgadores,
acrescenta, aplicam, por analogia, a Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo texto, “é inadmissível a
apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
O entendimento predominante, segundo Fauvel, é o de que a liberação de mercadorias não impede a Receita Federal de continuar a fiscalização e no futuro exigir eventuais diferenças de tributos e multas. “Caracteriza-se [a retenção] como meio coercitivo”, diz o advogado.
No próprio Supremo, os ministros têm aplicado, por analogia, a súmula. Em julgado recente (RE 1175581), a ministra Cármen Lúcia afirma que “ é inexigível a prestação de garantia para liberação de mercadoria importada retida em face de divergências quanto à sua classificação fiscal na NCM [Nomenclatura Comum do Mercosul], devendo a fiscalização lavrar auto de infração para cobrança das diferenças tributárias e multas eventualmente aplicadas”. Nesse mesmo sentido também há outro julgado recente de relatoria do ministro Luiz Fux (RE 1176136).
Em fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também seguiu o mesmo caminho. No acórdão (REsp 1794308), a relatora, ministra Assusete Magalhães, elenca julgados das turmas de direito público (1ª e 2ª) que aplicaram a súmula.
Neles, o entendimento é o de que o Fisco não pode reter mercadoria importada para impor o recebimento de diferenças de tributos ou exigir caução para liberá-la.
Nos tribunais regionais federais (TRFs), porém, ainda existem decisões divergentes, principalmente na 2ª Região, que abrange os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, e na 5ª Região, que engloba Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
O relator de um caso na 3ª Turma do TRF da 2ª Região (processo nº 0009457-96.2014.4.02.5101), desembargador Firly Nascimento Filho, entendeu que a retenção da mercadoria na alfândega, no seu desembaraço, “constitui medida legalmente apropriada quando ocorrer a ausência de pagamento dos impostos devidos; isso porque o recolhimento das exações ligadas à entrada da mercadoria no território nacional consiste numa fase do próprio procedimento de importação”.
Para o desembargador, a Súmula 323, aprovada em 1963, não pode ser aplicada, já que no caso se analisava a apreensão de mercadoria pelo município de Major Isidoro (AL) como meio de cobrança de dívida fiscal. “Revela-se claro, portanto, que o princípio utilizado no julgamento do precedente que inspirou a edição da Súmula STF 323 é inadequado para resolver a questão jurídica relativa à retenção de mercadoria importada, pela autoridade alfandegária, diante da ausência de recolhimento dos tributos devidos em razão da própria operação de importação”, diz na decisão.
Na 4ª Turma do TRF da 2ª Região, no entanto, há julgado de novembro favorável aos contribuintes. No processo analisado (nº 0010691-85.2017.4.02.0000), o relator, desembargador Luiz Antonio Soares, decidiu pela aplicação da súmula do STF.
Em julgamento recente na 1ª Turma do TRF da 4ª Região (Sul do país), o relator Francisco Donizete Gomes ressaltou que “a jurisprudência do TRF, por sua vez, apresentou oscilação entre a exigência ou não de garantia para liberação das mercadorias nestes casos. Contudo, os mais recentes acórdãos têm adotado posição idêntica a do STJ” (AG 5007208-34.2019.4.04.0000).
Já no TRF da 3ª Região (que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul), tanto a 3ª Turma quanto a 4ª têm decisões favoráveis aos contribuintes. (processos nº 5000640-84.2018.4.03.6104 e nº 5024059-49.2017.4.03.0000).
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “a razão desse quadro jurídico confuso e inseguro decorre, em grande medida, da aplicação inadequada da Súmula nº 323 do STF às hipóteses reclassificação fiscal no desembaraço aduaneiro”. Isso porque, segundo o texto, “a súmula em questão não se aplica aos tributos aduaneiros, ou seja, não há acoplamento fático capaz de legitimar a incidência do enunciado sumular”.
Nas hipóteses de reclassificação fiscal por erro ou equívoco do contribuinte, a PGFN defende, na nota, a aplicação por analogia da Súmula 661 do STF, editada em 2003, segundo a qual: “na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro”. De acordo com o órgão, “esse entendimento foi confirmado pelo Plenário do STF em 2015, momento em que tal súmula foi convertida na Súmula Vinculante de número 48”.
A procuradoria ainda destaca no texto que existem diversos precedentes do STF entendendo que “a liberação da mercadoria importada está condicionada à comprovação, pelo importador, do preenchimento de todos os requisitos necessários à internação desses bens, entre eles o legítimo pagamento do tributo ou a prestação da garantia idônea, cujo fato gerador surge no desembaraço aduaneiro” (ARE 876.019 AgR e RE 810.035, RE 193.817 e RE 585028 AgR).

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