Um contribuinte paulista perdeu na Justiça o direito de interromper uma fiscalização de ICMS e regularizar sua situação sem correr o risco de ser autuado e pagar multa. Ele havia obtido liminar favorável em segunda instância. Porém, a sentença foi contrária à aplicação da Lei Complementar nº 1.320, de abril de 2018. A norma institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, conhecido como “Nos Conformes”, que incentiva a autorregularização tributária.
Não há mais possibilidade de recurso. O processo já transitou em julgado. O caso é o de uma empresa de logística. Após ser notificada a apresentar documentos em uma fiscalização, verificou um erro – duplo lançamento de uma nota fiscal. Ela decidiu, então, pedir a suspensão da operação para retificar seus registos fiscais, valendo-se da chamada autorregularização, prevista no artigo 14 da Lei Complementar nº 1320. O pedido, porém, foi negado.
O Fisco alegou que notificou a empresa do início da fiscalização em 25 de abril de 2018 e que, somente no dia 29 de junho, o contribuinte solicitou oportunidade de se autorregularizar, o que foi negado, uma vez que a ação fiscal já havia sido iniciada e a empresa não estava mais sob os efeitos da espontaneidade. O contribuinte, então, entrou com mandado de segurança com pedido de liminar. Em primeira instância, o pedido foi negado. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), porém, a 6ª Câmara de Direito Público concedeu a liminar para suspender o procedimento e dar a oportunidade para a empresa se autorregularizar.
Contudo, ao analisar o mérito, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Araraquara, João Baptista Galhardo Júnior,
entendeu que não havia respaldo jurídico para o pedido da empresa. Segundo a decisão (processo nº 1009866-74.2018.8.26.0037), para que fosse possível a autorregularização, prevista na Lei Complementar nº 1.320/2018, se fazia necessária a espontaneidade. Ou seja, a empresa deveria ter solicitado sua regularização antes que ocorresse qualquer procedimento formal – a chamada denúncia espontânea.
Para o magistrado, o artigo 14, parágrafos 1º e 2º, da lei complementar “diz respeito à notificação de indício de irregularidade com possibilidade de saneá-la, o que não configura início de ação fiscal e não afeta o efeito da espontaneidade, procedimento este diverso do que foi imposto à impetrante, vez que foi a autora notificada do início dos procedimentos fiscais, assim, sem a possibilidade de sanar as irregularidades ou de autorregularizar-se”.
Não foi apresentado recurso contra a sentença. Segundo o advogado inscrito no processo, Matheus da Cruz Cândido, foi decisão da empresa não recorrer. Ele, porém, não forneceu mais detalhes.
Por nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo informou que trata-se de importante decisão, “que prestigiou a intenção da Lei Complementar nº 1.320/2018, buscando estimular a conformidade tributária dos contribuintes e também incentivar a autorregularização, mas que requer, para tanto, que esses contribuintes estejam sob os efeitos da espontaneidade, o que foi afirmado pela fiscalização desde o início do processo e que afinal prevaleceu, nos termos da sentença que transitou em julgado”.
De acordo com advogados, a empresa perdeu uma boa oportunidade de vitória ao não recorrer, uma vez que o caso teria que ser analisado novamente pela relatora da liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargadora Silvia Meirelles. Para a magistrada, em uma análise preliminar, o artigo 14 da nova lei não retira, em tese, a espontaneidade do contribuinte.
A sentença, segundo o advogado Augusto Fauvel de Moraes, do escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados, é “contraditória”. O próprio artigo 14, acrescenta, diz expressamente que existe essa possibilidade de autorregularização após notificação.
Se não fosse assim, afirma o advogado, a lei complementar não traria novidade, uma vez que o parágrafo único do artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN) já diz não se considerar denúncia espontânea aquela apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização. “Essa nova lei complementar dá essa prerrogativa de afastar essa espontaneidade. Dá uma chance ao contribuinte de regularizar essa situação”.
A advogada Jessica Garcia Batista, sócia do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, também afirma que a sentença foi fundamentada mais na sistemática anterior à Lei Complementar 1.320, que não abria possibilidade de denúncia espontânea e de autorregularização após o início de uma fiscalização. “Com a nova lei complementar, o contribuinte passou a ter um direito maior de poder corrigir seus erros antes que haja a possibilidade de qualquer autuação”, afirma.
Para o advogado Luís Augusto Gomes, do Viseu Advogados, apesar de a sentença ter sido desfavorável, a liminar concedida pelo TJ-SP foi um importante precedente por demonstrar uma tendência a favor dos contribuintes. De acordo com ele, deverá incentivar várias empresas a buscar seus direitos na Justiça.
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